quinta-feira, agosto 11, 2005
Décimo Sétimo Dia
Estou cansado de ser pai. Ao fim de dezassete dias de ser pai a tempo inteiro tiro o chapéu à mãe dele. Ele pressentiu e amainou. Até foi descansar, fazer a sesta, antes de ir brincar para o Pequeno Herói com a sua amiga Beatriz. E ao mesmo tempo, contradição das contradições, já sinto a sua falta. Preciso desta ternura a enlaçar-me, preciso de o olhar bonito e pensar que um pouco disso sou eu também. Anteontem e ontem bati-lhe. Agarrei-lhe nas mãos e dei-lhe duas ou três reguadas com as minhas mãos. Que me lembre foi a primeira vez, excepto aquelas palmadas no rabo meio a brincar, meio a sério em que ele dizia, não doeu nada pai, e eu anuia, claro, filhote, então o pai ia magoar o Pedro? A primeira vez foi à hora do almoço. Deixámo-nos a lanzerar na esplanada e já era um pouco tarde. Senti que não tinha descongelado a sopa no ponto, ainda ficou um pouco granulada. Não quis a sopa. E quanto mais ele não queria mais eu teimava. Estávamos perfeitos um para o outro. Fiz todas as estratégias que conhecia. Negociei com ele. Quantas colheres? Chegámos a um número quase redondo, cinco, disse ele. Fui buscar outro prato, tirei cinco colheres. Não era como nos outros dias em que com cinco colheres lhe dou o prato todo. Tudo com a ajuda dos quartos de colher, das meias colheres, dos três quartos de colher. Admito, sou um batoteiro, está-me no sangue. Desta vez não. E falava clama, pausadamente. Ele voltou atrás, estava apenas a ganhar tempo. Fiz-lhe uma ameaça que não devia ter feito. Pedro, tens aqui este prato com cinco colheres e esta, com muitas mais. Se comeres este a bem não se fala mais nisso. Se te recusares a comer este enfio-te a sopa toda pela boca abaixo. E sujas-te e não mudas de roupa e não sais à rua.
Fui longe demais e fiquei sem espaço de recuo, pensei. Começou a guerra. Ao fim de três colheres de sopa espalhadas pela camisola, pelas calças e pela goela, ele soluçava como um desesperado. Quero dormir, pai, dizia abraçando-me. Ele sai a mim. Mesmo quando se zanga, abraça. Ainda não sabe o que é o ódio e espero não ser eu a ensiná-lo. Abraçámo-nos os dois. Pediu-me desculpa. Eu também lhe pedi desculpa. Comeu dois yocos e três batatas fritas apenas para embalar o sono e deixei-o ir para a terra do nunca. Acordou e veio-me abraçar pedindo desculpa pela birra:
- Eu já sei pai, eu não queria zangar o pai. Eu só estava com muito sono.
Pois foi meu anjo, pois foi. E o pai não percebeu nada. Estou cansado.
- O pai está cansado porque não tem a mãe para tomar conta do Pedro?
E ficámos por aqui. No dia seguinte fui buscá-lo a casa da avó e aproveitámos para ir ao cinema. Herb, o carro mágico. Antes, Macdonalds. Uma nova linha de jogos. Fomos. Estava uma tarde perfeita. À saída andou quase quatrocentos metros a chorar pela mãe, a fazer resistência. Já via a casa da minha mãe, é sempre com a meta no horizonte que claudicamos, desespero. Três palmadas na mão e uma na cara. Choro convulso. E ele,
quero dizer uma coisa ao pai.
- Diz...
- Quero fazer as bases...
- Agora não fazes nada. Estou zangado contigo, Pedro.
- Quero fazer as bases com o pai...
- Não, agora vamos para casa e não há mais nada. Estou triste e furioso Pedro.
- Quero fazer as bases com o pai...-dizia ele cada vez mais choroso.
Aí a minha sobrinha Joana interveio:
- Ele quer fazer as pazes...
Ele anui com a cabeça.
- As pazes?! Tu disseste as pazes, Pedro?
- Quero fazer as pazes com o pai.
- Ó meu querido, era mesmo as pazes?
Abraço, abraço, abraço. Mais pai, mais filho houvesse mais nos abraçaríamos. Contei à minha mãe, ontem. Telefonou-me há pouco. Não era bem aquela conversa de mãe para filho. Não invocou nenhuma autoridade, pelo contrário, desautorizou-se:
- Nunca faças nada em estado de cólera. Ele não vai perceber nada e vai ter o ódio dentro dele. Respira para dentro. Nunca lhe batas quando estiveres enervado. Eu hoje arrependo-me de vos ter batido quando vocês me enervavam.
Sorri. Amar faz bem e amar uma mãe é como tratar do mundo onde a raíz cresceu. Disse-lhe:
- Eu sei que me bateste, a mim, ao João, ao Pedro. Mas não me lembro quando. Não me lembro de nenhuma vez que me tenhas batido.
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7 comentários:
fazer as 'bases' é bem bom.
:-)
Bater pode até ser a solução (última, extrema) nalguns casos raros, mas na cara NUNCA, por todas as razões.
que texto ternurento, que escrita doce. lindíssimo.
Cinco dicas para ajudar um pai em férias:
1 - Cumprir horários. As crianças precisam de comer a horas, para não misturar a vontade de comer com a de dormir e depois é um deus me acuda de birra.Rotina.
2 - Contar uma boa história. A do avião resulta quase sempre.Imaginação.
3 - Não insistir. Não come agora, come mais tarde a mesma sopa até ter vontade. Firmeza.
4 - Não vale a pena bater. Eles esquecem. Nós ficamos de rastos, culpabilizados e envergonhados, ganhando eles mais terreno para a próxima. Transparência.
5 - Fazer a sopa mais apetitosa!
Anonymous said...
Cinco dicas para ajudar um pai em férias:
1 - Cumprir horários. As crianças precisam de comer a horas, para não misturar a vontade de comer com a de dormir e depois é um deus me acuda de birra.Rotina.
2 - Contar uma boa história. A do avião resulta quase sempre.Imaginação.
3 - Não insistir. Não come agora, come mais tarde a mesma sopa até ter vontade. Firmeza.
4 - Não vale a pena bater. Eles esquecem. Nós ficamos de rastos, culpabilizados e envergonhados, ganhando eles mais terreno para a próxima. Transparência.
5 - Fazer a sopa mais apetitosa!
Carissimo anónimo, embora as férias estejam a acabar o recado está dado e as dicas, todas elas valiosas, anotadas. Pai e filho agradecem.
Bolas JPN,
Não se põem lágrimas nos olhos de uma mãe, logo de manhã.
Li-me no teu texto...
Com a diferença, que sou a mãe... e é mais corrente... mas sempre tão doloroso... tão incapaz... sentimos-nos, tão pequeninos, tão mais frágeis e inseguros que eles... e não deveria ser assim... mas de vez em quando é...
A minha mãe, diz-me o mesmo, tal e qual...
Por um lado, achamos, que somos diferentes... ou achávamos... e depois... afinal não somos tanto...
Um abraço, apertado, bem solidário... e um sorriso de energia de fé... de mãe
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