segunda-feira, agosto 01, 2005

Habituei-me à noite, que falo tanto dela assim. Habituei-me mais desde que saio tarde do trabalho e percorro sempre a mesma rua e encontro os mesmos seres vagabundos (que ingrediente se evola no ar espalhando-se à medida que a lua se eleva no céu?). É uma companhia, apesar do vento eventual e do receio do caminho. Por culpa da escuridão das suas vestes, a luz industrial do autocarro pouco deixa ver Lisboa. Nunca fiz esse trajecto à luz do dia. Desejo mesmo fazê-lo. Porque a noite esconde alguns recantos e saca da manga outros pormenores, sobretudo anúncios luminosos de comércio tradicional, luzes caseiras de outras pessoas nocturnas. Zango-me, como me esforço e não consigo ver, do autocarro, as ruas. Então pego num livro que trago sempre comigo. Ou no caderno de capa preta. Habituo-me à noite, companheira antiga de neuras, fingindo que ela não existe. Os seres da noite não parecem perceber porque leio ou escrevo, demasiados, cansados, introvertidos, esfaimados, drogados, envelhecidos. Sou um ser da noite, escrevo para evitar escancarar-me. Uso uma capa como todos eles. Morcegos.

1 comentário:

Conceição Paulino disse...

e não fazemos todos o mesmo? Bjs e ;)