terça-feira, agosto 09, 2005

Pensar diferente faz a diferença?

Gostaria de voltar a reflectir sobre a política. Aprendi a ser da política desde que me conheço. Já o disse aqui, as primeiras obras que comprei com dinheiro meu foram o tratado da politica do aristóteles e o contrato social do Rousseau. Há pouco vi uma conversa na Natureza sobre Hiroshima e quase fui. O motivo era muito forte. Falava-se desse outro holocausto concretizado pela bomba atómica. É bom falarmos. O silêncio só é bom depois das palavras, nunca antes. O silêncio antes das palavras é estéril, queimado nas pontas. Já nada mais arde nele. Só que - e a Zazie com o seu débito descontrolado de respostas e contra respostas arrisca-se a não perceber isso - nem tudo o que é possível de subordinar à lógica é razoável. Muito menos comparável. Despejar a bomba atómica sobre Hiroshima e Nagasaki foi e será sempre um acto terrivelmente, repulsivamente nazi e fascista. E digo fascista como poderia dizer comunista, claro. Só que as ditaduras nazi e fascista são aquelas que melhor me despoletam a raiva. E eu nunca quero deixar de sentir quando penso que a aventura inumana, que a exploração do homem pelo homem atingiu tal expoente. Qualquer história, qualquer tentativa de compreender a história que, independentemente dos anos que passarem, se dedique a menos do que isto é para mim um sucedâneo do fascismo e um passo adentro da miséria humana.
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A verdade também é que ainda não sou da política. Às vezes calho em perguntar-me se perdi ou não um pouco da minha cidadania. Eu sei que não, mas é bom que me pergunte. Se a tivesse perdido, à minha cidadania, a pergunta que me deteria, seria outra: Voltarei ou não a ser da política?. Voltarei, amigos. Quando souber-vos falar da política com a mesma naturalidade com que vos falo do amor, voltarei. Quando souber falar-vos da politica com o mesmo à vontade com que respiro quotidianamente, tornarei. O que eu digo, o que eu tenho que dizer é que há vida para além da caricatura de vida que desenhamos na parede, nas paredes que se nos atravessam. Devemos ser um pouco mais persistentes se queremos avançar realmente pelo caminho das mãos e dos olhos sinceros. Não é só quando nos dedicamos a expressar, a criarmos - e esta palavra, criação, é em si mesma uma ousadia, um arremedo e uma terrível insensatez da criatura - que podemos trilhar o caminho da sinceridade, da autenticidade, da vida. Também quando vivemos quotidianamente. Talvez seja uma utopia mas se pensarmos a nossa vida de uma forma diferente talvez isso possa fazer a diferença.

5 comentários:

cbs disse...

Jpn
Concordo quando dizes que “pensar de forma diferente, trilhar o caminho da autenticidade, talvez faça a diferença”.

Por isso também, quando dizes que qualquer tentativa de compreender a História que não atenda à “exploração do homem pelo homem”, que não atenda à raiva, e se subordine apenas à razão lógica, é um sucedâneo do “fascismo” (ou comunismo), enfio a carapuça.

Porque não vejo rótulos, prefiro compreender (garantia de que sou de direita, segundo alguns), e julgar a acção.
Prefiro designar o Mal por Inumano (como fazes), e isso está em todo o lado, como um gérmen, está à direita e à esquerda, está nas estradas, nos estádios e nas ruas, nos lares e nas pessoas.
Está em nós e entre nós e, quando pode, age.

A minha linha não está entre esquerda e direita, está na Humanidade.
E como o Damásio já demonstrou que a razão nunca se desliga da emoção, abomino tanto a pretensão de "frieza" da razão "prática" como sujeição à raiva e ao maniqueísmo.

Tento ser sereno e isento e, só porque te estimo, tinha de to referir.
Às vezes ressaltam diferenças :)

JPN disse...

O teu comentário não é um comentário, é um texto. Um belíssimo texto. Deixa-me só dizer duas coisas: a prova de que o mal está em todo o lado é que ele até se encontra no bem. No supremo bem. E ainda: eu também tento ser da razão e não a creio possível quando presa à raiva e ao maniqueísmo. Tento ainda mais ser de uma razão diferente, mas isso é outra história. O que pretendi foi deixar aqui o meu mal estar porque me parece que em algum momento alguém diante do inexpiável que foi a largada de duas bombas atómicas poder estabelecer alguma espécie de juízo contabilistico é um discurso tão inumano - e claro que a palavra fascista é uma provocação - que eu cortaria a lingua se alguma vez a minha própria sobrevivência dependesse de eu poder dialogar com ele. Esse discurso é o discurso de Milan Astray. É o discurso da Morte. E ao discurso da Morte não se opôe o discurso da vida. Opõe-se a vida. A vida silenciosa. A vida que em nós ainda não morreu. Abraço

cbs disse...

A certa altura, os números deixam de ter sentido, de facto.
Tornam-se até em blasfémia.

Abraços deste velho (e inda bem que não te xateias com estas as nossas pequenas diferenças :)

PARTILHAS disse...

Bom Dia,
Tenho-te lido, em silêncio ultimamente...
Depois deste teu texto, tinha que to dizer.
Depois das tuas palavras o silêncio.
Ninguém pensa igual, todos pensamos diferente... e em cada pensamento todas as combinações de bem/mal, politica/mentira/verdade/roubo/caridade, são válidas e valem, por isso mesmo; por ser expressáveis...
Obrigada por estes teus textos, tão sinceros... é o único lado da politica que vale a pena Ler. Os outros são normalmente vazios de pessoas...

Anónimo disse...

CBS está certíssimo.
A natureza do que aconteceu em Hiroshima não é um acto para rótulos.
Fascista, comunista, nazi, herético, psicopata, democrático, imperialista, pirómano, corrupto, terrorista: todos actuam para a emergência da destruição e da dor. Uns de forma encapotada, como é o caso de algumas sociedades ditas democráticas, outros tão abertamente quanto possível, como é exemplo o terrorismo, que até utiliza os meios de comunicação para lançarem as suas mensagens e imagens de terror.
A humanidade do homem nunca se encontra, de facto, dissociada da razão e das emoções.
Mas não é possível manter-me isenta.
Isso não seria mais que um acto de irracionalidade.
Ou de insanidade mental.