Comecei por ser educado na moral cristã que proclamava a
fraternidade e a
caridade as pessoas. Depois andei, nos idos de 74, 75 a aprender a substituir a terminologia cristã e católica por outra, mais adequada às aprendizagens políticas de um adolescente no meio da revolução. Era tempos em que se dizia que Jesus Cristo tinha sido o primeiro comunista e em que se substituía a palavra
caridade pela palavra
solidariedade (palavra que perdeu o peso dialético, começando a passear pela fraseologia católica quando serviu para designar um grande sindicato polaco, com fortes ligações à Igreja Católica). Cresci muito com a palavra
solidariedade. Enquanto emancipação do outro como igual. Mas já não me basta para falar da vida, da minha vida, da vida do mundo na minha vida. A palavra hoje é:
partilha. Cada um tem algo para dar e a nossa vida em comum é mais rica se soubermos perceber o que podemos tomar de cada um. Aprendi-o de forma derradeira o ano passado com uma amiga. Enquanto a ajudámos a morrer em casa, ela ajudava-nos a compreendermos a lidar com o transitório da vida e com a inevitabilidade da morte enquanto diálogo permanente de cada um com a vida. Para os meus amigos tornei-me um pequeno herói já que achavam que o nosso grupo de entreajuda era um caso muito especial de afecto e partilha. E era de facto. Mas recebi incrivelmente mais do que aquilo que dei. E eu sabia disso e era por causa disso que eu lá ía. Eu era tão egoísta como qualquer um de nós. Apreendi o que pode ser cada um de nós em estado de dádiva. Não aprendi a ser em estado de dádiva, não me interpretem mal. Em estado de dádiva só vivem os santos e eu aprecio demasiado a impureza e a imperfeição para poder almejar a alguma espécie de santidade. Apenas pude experimentar, tangencialmente, o que é o ser quando procura abrir-se totalmente, sem restrições, à dádiva, à partilha. E como isso pode afectar toda a nossa construção social da realidade. Há dias, lá no Teatro, tivémos um espectáculo sobre os sem-abrigo. Eu tinha uma ideia dos sem-abrigo que é a comum entre as pessoas hoje que dão algum relevo ao drama humano que está por detrás das pessoas serem atiradas a viver para o meio da rua e que é uma ideia assente na solidariedade. É uma ideia generosa mas não (me) basta. Quem vive hoje sem uma casa precisa de comida, conforto, mais acesso à sua cidadania e á rede de cuidados básicos, mas tem também algo muito importante a dar: a relevância da sua experiência de sobrevivência fora dos padrões de conforto que adquirimos como essenciais, porque vitais, e pelos quais pagamos o preço que atribuímos a todas as coisas vitais.Podemos viver de outra maneira? Faz sentido organizarmos a nossa vida em torno de satisfação de um determinado tipo de necessidades?
1 comentário:
Somos imperfeitos por natureza!
Mas podemos olhar à nossa volta e OLHAR com olhos de quem vê....em vez de ignorar.
Há experiências que nos tornam melhores!
Beijinhos
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