quinta-feira, julho 24, 2003

Os olhos dela...

Disseste, estou cansada. Tenho os olhos cansados. Comecei a usar óculos. Entro aqui na agência de manhã, saio há noite. Noite cerrada, aquela noite baça, sem nada. Apetece-me ser gente outra vez. E a tua voz... A tua voz também está cansada, sumida, acrescentei. Achas?- respondeste, pedindo o contraditório. Encolhi os ombros e abanei afirmativamente a cabeça. [ Lá fora os carros a subirem e a descerem a Luciano Cordeiro. Cansados, exaustos. Escusas de arranjar uma epopeia nisto, não consegues, disse, de mim para mim. Nada há aqui de heróico. Nem de poético. Há de humano, claro. Tudo isto é demasiado humano.] A propósito do humano...começei a escrever num blog. - disse. Um blog? Aqui na agência está tudo maluco com isso...Passam horas agarradas ao êcran... [Contei-te do Blog do Bragança de Miranda. Já não te lembravas dele, no terceiro ano tinhas ido para publicidade, tinhas feito a cadeira dele a correr, já tinhas um lugar na Agência. Mas ouvias-nos a falar dele com garra e admiração, quiseste saber o nome do blog. Falei-te do post dele sobre a Liberdade. Rimo-nos, era verdade.] As pessoas já não têm tempo para se encontrarem... Nós detestamo-nos encontrarmo-nos. A internet e os blogs são um óptimo pretexto para isso. Podemos ausentar-nos e continuar on-line. É uma teoria...- respondeste. [ Pois é, não deixa de ser uma teoria. Lá nos separámos. Deixei-te à porta da Agência, lembras-te? Não deste conta, eu já ía sózinho, mas quando te deixei os meus passos iam pesados, esburacando o chão da avenida como se fossem patadas de um dinossauro em vias de extinção (hei-de propôr esta animália à colecção do Abrupto). Bem queria ter-te entusiasmado, tirar-te esses olhos baços, cansados. Como sempre gostei de tentar fazer. Mas o poço da energia secou. Ninguém desentusiasmado pode semear um pouco de alegria e vigor nos outros, aprendemos depois. Não quando crescemos. Quando decrescemos. O descrescimento impotencia-nos. Torna-nos ocos por fora, amalgamados por dentro. Mas havia qualquer coisa que eu ainda podia fazer. Cheguei a casa, mandei-te um email: " Acredito em ti, não acredito neste nosso mundo, no teu, no meu, mas acredito em ti."!". Não são bem as pazes com a vida, somente umas tréguas com estas horas que me faltam até o calendário vagarosamente rodar a caminho da próxima lua. ]

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