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domingo, janeiro 10, 2010

A da Pera, algures em 1972. Os meus pais há muito que a esperavam. Principalmente o meu pai. Três filhos pilas, queria uma mulher na descendência. Ele sabia bem o que fazia. As árvores, mesmo as geneológicas, precisam da sabedoria da genética feminina. Olho a fotografia antiga, ainda há dias estive lá ao pé daquela varanda. Há pequenos pormenores que só eu sei. Por exemplo, porque é que só eu estou sem gelado. quando tinhamos planeado que tirariamos uma foto para a posteridade, e que o gelado assinalaria - tal como cigarro mais tarde, na adolescência, o faria em relação ao nosso style - a nossa felicidade. Naquele tempo para tirar uma fotografia, demorava-se algum tempo. Era uma Reflex que o meu pai tinha comprado na Suiça, quando lá estudara. Por isso tanto eu, mais sofrêgo como o meu irmão mais velho já não tinhamos gelado. Ele salvou as aparências, disfarçando, mas a verdade é que já não tinha gelado. Mas há mais marcas da nossa vida pendurados nos pixels: os relógios. Já tinhamos obrigações sociais. Mafra ficava a dois quilómetros e tal, tinhamos que passar o rio cego e chegar a horas à escola. Os dois irmãos mais velhos já íam sózinhos para a escola. Sózinhos é como quem diz. Era uma algazarra pegada entre os campos. Havia amigos nossos que faziam metade do caminho, até ao Rio Cego, só pelo prazer da brincadeira.

terça-feira, abril 21, 2009

Gioconda e as ondas da minha infância

"De facto, passei as primeiras décadas vivendo a minha vida como um romance do qual era simultaneamente o narrador e a atormentada personagem. Como os miúdos a um canto da sala, em conversa interior. Ou na praia atlântica da infância, contra as ondas, num concurso interno em que os concorrentes, sempre eu, se desdobravam em cometimentos e perfomances cada vez mais perfeitas , para o aplauso das dunas"
Luís, no Mal
Luís cita a inflação de nós próprios para falar de uma doença, a fantasia sem meios, de que padece desde que se reconhece. E dá o exemplo do concurso contra as ondas. Lembro-me imediatamente da minha infância tardia, no corredor da casa. Conheço bem esta doença que, aliás, me tem curado de outros males, como o tédio de mundo, que só mais tarde, muito mais tarde, se me manifestou. Havia no fundo do corredor uma figura de Gioconda. Eu passava horas das minhas tardes num concurso interno em que os vários concorrentes, Yazalde (eu), Eusébio (o meu principal adversário imaginário), Diniz (um segundo eu), Shéu (um segundo adversário imaginário) disparavam uma bola feita com as meias sacadas da caixa da roupa para remendar. Ficava mais ao menos a uns quatro metros. Tinhamos de acertar o mais possível do sorriso da Gioconda. E quando a pontaria dos meus heróis condizia com o meu sonho, eu, extenuado, recebia o aplauso da multidão histérica que estava, também, dentro de mim.O jogo prolongava-se horas e horas porque eu não sabia fazer batota comigo mesmo e por vezes, para grande desespero meu, quando eu já tinha decidido que seria o fim do jogo, a final, era o Eusébio ou o Shéu que acertavam naquele sorriso imaculado estampado na parede da sala. Nessas alturas eu atirava-me para o chão, berrava e pensava, só mais uma vez, desta vez é que é os campeões dos campeões. Não raro a uma final seguia-se uma finalíssima e depois uma superfinalissima, e depois uma super-super finalíssima e ainda mais uma super-super finalissíma agora-é-que-é. Não era por mim. Eu, desde criança, estava preparado para perder. Os meus heróis é que não.

quarta-feira, abril 15, 2009

José Franco | 1920-2009

Morreu uma das minhas memórias de infância. José Franco, oleirista renomado e famoso, principalmente desde a sua amizade com o escritor brasileiro Jorge Amado. Morava eu na Ada-Pêra, a pouco mais de um quilómetro do Sobreiro, lugar onde José Franco sempre viveu e trabalhou. Lembro-me de pagar na minha pedaleira verde e ir, com outros amigos, sentar-me a vê-lo trabalhar. Ele dava-nos barro para brincarmos e também pequenas instruções sobre o manuseio. Não amolgar o barro, isso não é plasticina, não é para esborrachar. Ou tirar o miolo. Eram tardes que me ficaram para sempre. O contacto com a terra fresca, húmida. Faziam-me bem aos dedos aqueles gestos na argila. Ainda hoje transporto de casa para casa um conjunto de tecks e tenho de ter sempre barro em casa. Para uma precisão, um desejo, uma necessidade.