A da Pera, algures em 1972. Os meus pais há muito que a esperavam. Principalmente o meu pai. Três filhos pilas, queria uma mulher na descendência. Ele sabia bem o que fazia. As árvores, mesmo as geneológicas, precisam da sabedoria da genética feminina. Olho a fotografia antiga, ainda há dias estive lá ao pé daquela varanda. Há pequenos pormenores que só eu sei. Por exemplo, porque é que só eu estou sem gelado. quando tinhamos planeado que tirariamos uma foto para a posteridade, e que o gelado assinalaria - tal como cigarro mais tarde, na adolescência, o faria em relação ao nosso style - a nossa felicidade. Naquele tempo para tirar uma fotografia, demorava-se algum tempo. Era uma Reflex que o meu pai tinha comprado na Suiça, quando lá estudara. Por isso tanto eu, mais sofrêgo como o meu irmão mais velho já não tinhamos gelado. Ele salvou as aparências, disfarçando, mas a verdade é que já não tinha gelado. Mas há mais marcas da nossa vida pendurados nos pixels: os relógios. Já tinhamos obrigações sociais. Mafra ficava a dois quilómetros e tal, tinhamos que passar o rio cego e chegar a horas à escola. Os dois irmãos mais velhos já íam sózinhos para a escola. Sózinhos é como quem diz. Era uma algazarra pegada entre os campos. Havia amigos nossos que faziam metade do caminho, até ao Rio Cego, só pelo prazer da brincadeira.
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