sábado, novembro 15, 2003

A coisa mais estúpida que eu podia fazer...

era massacrar a cabeça dos meus amigos por causa deste nervo agitado de desmame fumante e não aproveitar esta folha em branco para reflectir mais um pouco sobre este acontecimento invulgar que em mim é não fumar. digo bem, acontecimento invulgar. eu sou daqueles que antes acordava de manhã com o vicio na boca e tinha de meter algo no estômago para em seguida esfumaçar. daqueles que tinham de sair às duas, três da manhã se se lhes acabava o tabaco. Para mim a diferença entre ir para Banguekoque e ir para Nova Yorque era a de que esta cidade ficava muito mais longe, a umas insuportáveis oito horas de abstinência fumante. dizia-me o francisco luís parreira no outro dia que não imaginava conseguir escrever sem fumar. eu era assim também. é claro que agora sinto a minha escrita abrupta, aos solavancos, mas escrevo, é isso que importa. é claro que isso só é importante para mim, mas isso é outra questão. agora no trabalho parece-me tão estranho quando vejo gente nos corredores a fumar, escorraçados para o frio das janelas, com aquela tosse de cadáveres em vivo. sei lá se vou voltar a fumar. isso parece-me tão distante. lembro-me de alguém que em tempos existiu..., diz kaspar de peter handke. eu também me sinto assim. e gostaria de fazer algo por aqueles que se suicidam longamente numa núvem de fumo. eu sou desse mundo, embora há dez dias atrás tenha parado a ampulheta que eu próprio criara para competir com aquela que o todo poderoso c. e fdp me ofereceu no dia em que nasci. Estamos cada vez mais fazendo mais coisas em solidariedade e apoio aos fumantes, é certo. As consultas, as técnicas diversas. Mas é preciso dizer e ter consciência de onde viemos. Fumar só até há bem pouco tempo adquiriu essa dimensão de proscrição. Os nossos cadáveres embutidos em madrepérola frutificaram e alimentaram as economias dos nossos países. Não se pode esquecer isto e pedir a cada fumador que internize e interiorize dentro de si a sua própria diabolização.

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