terça-feira, março 16, 2004

Todos os caminhos vão dar a Atenas...

1. Se há ideia que me tem começado a repugnar do ponto de vista das ideias e do pensamento, é a da inocência, como ideia mais ou menos absoluta, categórica. E o que é que me repugna na ideia de inocência? Desde logo a forma como ela esconde a imposição que de facto é. Associando-se a outros campos de significação. Por exemplo, a infância e a loucura. Ou até a ideia de cidadania, ou a de população civil. A carga simbólica que este conceito carrega é tal que se o pusermos em dúvida podemos ser senão proscritos, colocados num manto de suspeita. O quê? As crianças -o cordeiro de deus- não são inocentes ? 2. A ideia de população civil, de civis, também surge atrelada a este conceito de inocência. Diz Gutkin, " las ciudades abiertas y desprotegidas de la República". Onde antes já o teria dito Pablo Neruda: "y la sangre de los niños corria, simplemente como sangre de niños". Não adianta dizer que isto decorre da tradição judaico-cristã. Porque o contrário também decorre de lá. Ou é de lá que corre. Adão e Eva são a primeira história da negação da inocência a este mundo. Os nossos primeiros pais, ou a nossa mais antiga ideia de paternidade, a nossa origem, está associada à ideia de pecado. 3. Comecei a compreender que não éramos inocentes quando percebi que utilizávamos a nossa inocência como retórica da expropriação, da violentação, do irreconhecimento do outro. Que os meus gestos mais simples surgem marcados por essa usura, por essa espiral de usurpação. Que era necessário substituir a retórica da inocência pela da responsabilidade. 4. É nesse sentido que eu estou especialmente de acordo com Oliver Roy quando ele diz " Não podemos portanto combater a Al-Qaeda senão através da polícia, dos serviços de informação e da justiça." É preciso colocar este problema novamente na cidade. E, ao mesmo tempo, perceber que este combate pela policia, pelos serviços de informação e pela justiça, implica um reforço dos direitos da cidadania. Porque remeter este trabalho para a cidade e não cuidar dela, não tratar dela, não a reforçar, é abrir caminho para uma diminuição dos direitos civis, da condição dos cidadãos. Não se trata de militarizar a cidade.

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