segunda-feira, abril 05, 2004
25.4 de 74/ 25.4 04. Trinta anos de Quê? - III
Insisto na memória deste 25 de Abril em calções, de palmo e meio.
Aderi à UEC em fins de 74 e ainda não ia a meio 75 já eu entregava o meu cartão de militante e dizia adeus a uma das experiências mais fantásticas da minha vida, principalmente graças à camaradagem do Duarte, o amigo que me levou até à Serpa Pinto.
- Anda comigo inscrever-te na UEC. - Vamos. Era o tempo dos melhores amigos e a estes nunca se diz que não. Porque nunca nos levam por maus caminhos. Assim foi, assim será. Fomos a pé dos Olivais até ao Campo Pequeno, onde perto funcionava a sede do PCP. Não tinhamos dinheiro para ir e vir, fomos a pé para lá e guardámos o dinheiro para a volta. Depois de nos inscrevemos demos de caras com uma bilha de barro que dizia: "Camarada, o teu partido precisa do teu contributo". Nem pestanejámos. Colocámos lá os quinze tostões do bilhete de autocarro e viemos a pé, à chuva.
Havia uma coisa que nem eu nem o Duarte previamos. Era engraçada a vida partidária, a minha controleira era uma espécie de irmã mais velha, mas mesmo naquela altura não era confortável ouvir, tanto à esquerda como à direita, o "uec-uec, abriu a caça aos patos" com que todos nos xingavam. Aliás, essa estranha unicidade xingatória aos comunistas era a expressão do maior consenso político ocorrido em Portugal antes das eleições do general Eanes. E um dia, o dia em que eu descobri - pela boca do Prof. Lourenço, que discutia com o Luis Trotski e com o Paulinho da UEC - que a União Soviética até tinha o COMECON, ai foi demais. Apressei-me a voltar a casa e a bater à porta do Duarte.
- Preciso de falar contigo.
Com ar grave contei-lhe tudo. Da discussão entre o Trotski, o Paulinho e o Prof Lourenço, na sala de convívio do D. Dinis. E como este tinha calado todos quando lançara o seu demolidor:
"- Porque a URSS também tem o COMECON."
O Duarte assegurou-me que não sabia, senão tinha-me contado. Respondeu-me:
"-Também eu já não aguento mais isto.". Isto era os olhares de censura da Laura, uma rapariga da UDP que, enquanto o xingava, desejava-o : "uec-uec, abriu a caça aos patos" . E o pobre do Duarte, um excelente moço, sem saber para que lado é que se havia de deitar. Desfizémos ali mesmo o nosso pacto. Pegámos no jornal do Avante e, como em todas as semanas, fomos buscar os microfones duplos da aparelhagem lá de casa dele e lemos , com nobreza na voz e firmeza no coração, a lista completa do comité central do partido comunista português.
Depois disso olhámo-nos e combinámos telefonar aos nossos controleiros. Eu não sabia que o PCP e a UEC eram tão conservadores como pude constatar quando falei com o meu controleiro.
"- Viva. Precisava de falar contigo. Tenho que sair da UEC...
- Porquê, camarada?
- Por causa do Come... - menti. Algo me disse que estava a explicar as coisas pelo caminho mais complicado. - ...por causa dos meus pais. Eles não gostam que eu seja da UEC.
- Camarada, a família está primeiro!- E logo ali me prometeu tratar de tudo para me poupar a mais chatices, nunca mais ninguém me faria perguntas. ."
E assim foi comigo. Porque o Duarte não pôde explicar a história da sua Laura. Ela não tinha, nos códigos conservadores dos comunistas, o mesmo peso que a minha família. Nas quatro semanas seguintes um misto de pena e remorso acompanharam-me enquanto via o Duarte a reservar o melhor da sua tarde precorrendo as alamedas do Vale do Silêncio, ombro a ombro com o seu controleiro, que lhe explicava aquilo que eu só mais tarde vim a descobrir, numa aula de nocões práticas de economia em que o tema foi a EFTA e o ...COMECON .
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