quinta-feira, abril 22, 2004
25.4 de 74/ 25.4 04. Trinta anos de Quê? - X
Sempre pensei que o facto de eu não ter sabido antes que viviamos numa ditadura se devia ao facto de ser ainda muito pequeno. É verdade em parte. Mas não é toda a verdade. Houve muitas crianças como eu que tiveram de perceber o país em que viviam antes de terem sequer idade para saberem o que era um país. A razão principal terá sido o facto de viver numa pequena vila da região saloia e dos meus pais pertencerem áquela grande massa que com o seu não querer saber , foram extraordinariamente convenientes a um regime que, mesmo assim, preferia dobrar as consciências, a quebrá-las.
Não tenho por isso grandes memórias do antes do 25 de Abril. Memórias com intencionalidade. Talvez já tenha falado nisto aqui, mas há três pequenos acontecimentos que se sobressaiem nessas recordações. Um, já falei decerto, foi quando a minha mãe teve de ir à Faculdade de Letras. O outro, numa manhã das eleições em que o MDP/CDE disputava as urnas, que também já referi.
E este último, que aconteceu quando Américo Tomaz foi ao Brasil levar as ossadas de D. Pedro V. No anedotário luso corria então que ao chegar, os brasileiros ficaram um pouco indecisos, a olharem para um e para o outro, sem saberem qual das ossadas pertencia ao fundador do Brasil. Ouvia-a em casa, à mesa de jantar, sem qualquer aviso de recato. No dia seguinte fui para casa do Cachucho depois das aulas e estava a dar a transmissão da cerimónia. Logo contei a anedota que tinha ouvido na noite anterior. À noite, na noite desse mesmo dia, à hora de jantar, a minha mãe olha-me com indiscutível aquele olhar severo e diz-me:
-Quim Paulo, as conversas que ouves cá em casa não são para as dizeres lá fora.
Tudo isto era pueril, leve, não estava a segurança nacional em causa, como é evidente. Lembro-me no entando do que senti. Que entre mim e as minhas acções não havia apenas a sombra tutelar e ao mesmo tempo sancionadora, dos meus pais. Uma outra sombra, governava os meus pais que eram a sombra que me governava a mim.
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