quarta-feira, abril 28, 2004

Jardim do Cerco, diz

Para quem vive no meio do verdejante, da frescura da erva e do musgo, no estilhaçar ritmado dos regatos, com a Tapada por companhia diária, um jardim tem de ser algo muito especial. Foi assim o Jardim do Cerco da minha infância. Lugar onde saltitavam veados e coelhos. Ou as rodelas de nenúfares em torno dos pequenos lagos circulares. Ou os muros de vegetação, que começaram por ter a minha altura até que, por fim, foram minguando, minguando, minguando, enquanto eu, na exacta medida contrária, crescia, e podia enfim saltar por cima da sebe. O que de mais precioso o Jardim tinha era o tempo. Calhou que quase todas as minhas memórias dele sejam ao fim de tarde. E também, que a última, seja a de um passeio que demos a Mafra, por sinal o último passeio com o meu pai. A vida e a morte deviam ter sempre esta tranquilidade de um entardecer sereno. Se eu fosse Deus, era assim, com um estertor silencioso e com um raio de luz sorridente que todos, um e cada um, se despediam do número dos vivos. E provavelmente sentados num banco de jardim, ao fim de tarde.

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