quinta-feira, maio 06, 2004
230
No Arame é um dos blogs mais interessantes que andam por aqui. Alexandre Monteiro (AM), o seu autor mostra-se inovador, inventivo, inteligente, culto, possuidor de uma escrita sedutora, debruçando-se as mais das vezes sobre temas originais. No entanto, porque tudo acontece no arame, AM estatelou-se num comentário que deixou a uma entrada de A Natureza do Mal, intitulada 230. Escreveu AM " ainda bem que se matou. é um parasita marginal a menos na sociedade". O autor da entrada, certamente tão atónito como todos aqueles que nos habituámos a admirar a escrita do Alexandre, apenas perguntou:"Como existe infelizmente essa opinião e eu não te conheço pessoalmente nem li nunca opiniões tuas sobre o tema era importante para mim saber se o teu comentário é irónico ou convicto." AM, habituado que está a fazer do Arame a sua própria casa não desarmou. Depois de alinhavar duas ou três ideias mal cozidas sobre o livre-arbítrio e o dever de participação social, respondeu:"não me peçam que chore lágrimas de hipocrisia quando párias, violadores, ladrões, assassinos, gente marginal que vive de prejudicar os outros, de os roubar, de os assaltar, de os violar, de os matar, de os mutilar, morre.." Mas para que não tenhamos algumas dúvidas sobre o seu grau de convicção, alarga o seu grito necrófito dizendo " que morram. e quanto mais cedo melhor."
Se Alexandre Monteiro fosse um idiota encartado, daqueles que uma pessoa olha, cheira e desde logo aì assinala a presença de cabresto, eu tinha saído rapidamente da caixa de comentários da Natureza do Mal e tinha-me evaporado logo ali. Tenho um pacto contra a imbecilidade do mundo não contra aqueles que a praticam. Há muita gente que não sabe distinguir entre uma coisa e outra, mas a verdade é que são duas lutas fraticidas. Tanto que há tantos que partem nas cruzadas contra a imbecilidade e que, por tercejarem desvairadamente contra os imbecis, acabam por mimetizar os padrões de comportamento destes.
Mas não é o caso. AM é inteligente e por isso, quem o ouvir, pode não perceber a estupidez em que incorreu ao dizer umas coisas que independentemente de nos poderem soar mais ou menos bem são uma opinião (e aqui não se incorre em delito dela). O que é cretino, vil, como só a estupidez e a imbecilidade o podem ser, é que apenas através de um número, o 230, AM tenha conseguido ver tanta coisa sobre um tipo que apenas sabemos, aos 27 anos se suicidou, diz aqui a prisão, foi suicidado, dizem os outros presos.
O mais triste e lamentável não é que AM pense isso. É que a DGSP tenha vindo desde logo dizer que o preso 230, de 27 anos, tinha "graves problemas de toxicodependência e estava sozinho na cela disciplinar quando se enforcou com a coberta do colchão".
[ É perfeitamente absurda e freudiana esta declaração. Se se enforcou tinha de estar sózinho, porque se não seria morte-assistida-numa-cela-de-prisão, conceito novo e intermédio entre o suícidio e a eutanásia. Ou seja, a DGSP, desvalorizando as suspeitas sobre as recorrências de suícidios naquele estabelecimento hospitalar, assume desde logo, sem investigação, a versão dos serviços prisionais locais. ]
É certo que os suícidios vão para o Ministério Público. E aí, se eventualmente o Ministério Público vier a encontrar matéria que prove as piores acusações dos outros detidos, os Serviços Prisionais locais terão na sua versão uma prática de encobrimento de crime. E a DGSP, pelo menos no plano ético - porque deve ser quixotesco falar de serviço público nas prisões, pelo menos neste século - será cumplice com a prática de encobrimento de crime. Mas isso seria num outro país. Onde não houvesse a cumplicidade cívica de aceitar que um número - desde que acompanhado de algumas pestes e maleitas sociais - pode dizer tudo sobre a pessoa que dele se escapou.
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