segunda-feira, junho 14, 2004
Acredito em ti, Peter Pan
1. Também, como ela, as ligações que tenho aqui ao lado são dos blogues que leio. Ou li, já que ao olhar a lista tenho rapidamente uma ideia do meu percurso aqui, na blogosfera. Tive, como a generalidade dos meus companheiros de blogar, espero, algumas estratégias iniciais para ser lido por quem eu gostava de ler. Comentários nos blogues que eu queria, primeiro, que soubessem que eu existia, segundo, que gostassem do meu existir.
2.Eram tempos de febre blogonauta. Que me fazem lembrar uma outra comunidade de escrita a que pertenci, o DN Jovem. Mas esse estado febril já passou, confesso. Alegra-me muito ver o meu amigo fazer uma profissão de fé neste modo de expressar ideias e opiniões e até digo que pode ser que sim, mas sou cada vez menos entusiasmo, cada vez mais céptico em relação a esta capacidade da internet blogonauta regenerar os sistemas viciados de nos fazermos representar. É claro que já não se trata de nos fazermos representar por outros iguais a nós, sejam políticos, futebolistas, princesas ou vedetas televisivas, nesse sentido a internet blogo é uma revigorante conquista de um espaço pessoal -pronto a montar e transportar - de análise e reflexão (seja lá como for a escrita tem essa capacidade endémica de ser retroacção).
3. A minha dúvida e o meu cepticismo - tenho de reconhecer, ele é ainda mais profundo do que aquilo que eu posso ambicionar ser capaz de explicar - é a de que por um lado estes espaços sendo já prontos a montar e a transportar sejam também, nesta bricolage da expressão, prontos a pensar.
4.E assim, por mais bem intencionados que sejamos, e somos e seremos sempre delirante e comovedoramente bem intencionados, escapa-nos, escapar-nos-á, a palavra essencial. Já nem digo a palavra essência, é mister que esta se escapula pelas nossas mãos gordurosas, digo, a palavra essencial. E nem mesmo é dessa que eu falo, refiro-me apenas e somente à palavra, a este artefacto, instrumento, dispositivo, cinzel com que escarafunchamos à procura, à procura de quê?, perguntas tu, não respondo, não tenho que ter resposta para tudo, essa é uma armadilha da escrita, de uma certa escrita, pensar que não se justifica senão se conseguir justificar, senão conseguir encontrar o fio da meada, a razão, a verdade.
5. Tenho de o reconhecer. O tempo físico em frente desta plataforma iluminada a que chamo êcran, mas que poderia bem entender como um espelho, dificulta-me o pensamento. E já não é apenas esta questão de os textos se tornarem, ponto a ponto, ou grão a grão, demasiado longos e de isso impedir a troca. Talvez isso apenas arrefeça a interactividade mais imediata. O problema é que sou eu próprio a enfastiar-me com a extensão do problema que detecto.
6. Penso até, mentalmente, em dividir esta entrada, em mais outras duas. Uma delas explorando esta ideia do "meu cepticismo sobre esta capacidade da internet blogonauta regenerar os sistemas viciados de nos fazermos representar". Outra sobre o meu cepticismo, ele mesmo.
7. Este texto não existe. Começou por ser uma coisa, uma referência a um blogue que descobri porque falou do Respirar. E que referencio não por o ter assinalado mas pela maneira como o fez. Agradou-me, principalmente pela forma como descobriu uma cumplicidade entre este respirar e esta flor, na areia. Mas depois este parece um texto do não é. Dispara em todas as direcções e angustia-se porque não pode tocar no essencial, não tanto por causa do essencial-ele-próprio, mas por antever nessa impossibilidade uma incapacidade de ser-em-pensamento. E por isso me pergunto, o que faço eu aqui, entre tantos actores da escrita festa, da escrita em festa, da escrita mais ou menos ingénua profissão de fé?
8. Talvez a minha mais valia seja essa. Fincar os pés e permanecer. Não sendo crente, também não sou descrente. Dar testemunho disso. Num texto de solavancos, de pára-arranca, dar testemunho disso. Ou não terei direito a existir por não ter nenhuma crença?
9. Nenhuma crença, perguntas. Nenhuma, respondo. Olhas para mim com esses olhos aflitos. Pudesse eu tirar-te a aflição dos olhos, meu deus. Nem mesmo no homem?, insistes. Nem mesmo no homem, respondo, e agora sou eu que me aflijo, nos olhos, no âmago (não está certo um não crente falar em alma, pois não?), principalmente no homem. Deixaste de ser magoada, agora magoas, tornas: nem mesmo nele acreditas, no Peter Pan Grande??
10. Esta tua última pergunta consegue pelo menos algo, suspender. O texto. O cepticismo. Quase a respiração. Não estou a chorar, não. Seria impúdico fazê-lo diante de um êcran que é tanto espelho como palco. O palco mundial. E não digo, penso, o silêncio é isso, é o dizer para dentro, cá dentro, penso que por mais que eu saiba que um dia o cepticismo também irá chegar a ele, ao Peter Pan Grande, ele tornar-se-á um homem e eu também deixarei de acreditar nele, agora, desalmadamente, creio nele, creio nesta capacidade de voarmos quando queremos, de nos transformarmos em dragões, dinossauros, Winnies de Poth, creio em ti, Peter Pan.
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