domingo, setembro 19, 2004
A Colecção dos Happy Meal
Veio a dormir no carro, vai direito para a cama, só mesmo o leite, um pão com manteiga e fiambre. E um vídeo dos Tweenies. Estamos nariz com nariz. Demonstro-lhe novamente que sou uma espécie de Jerry Lewis nos afectos, nos sentimentos, com a minha falta de senso e porporção, consigo escaqueirar sempre tudo: amanhã tens de me arranjar a namorada, ok? Olha-me com os olhos lassos, penso, cansados. Tento tirar-lhe um sorriso. É fácil, vais lá e dizes, olhe, está a ver aquele senhor ali, sim, o da t-shirt malaika, é o meu pai, ando há mais de uma semana a tentar arranjar-lhe uma miúda, não consigo, ninguém o quer. Dou-lhe a minha colecção dos happy meal se for lá ter com ele...A sua face está inexpressiva, nem dói nem riso, um sufoco, continuo a tentar escavar um sorriso, já me contento com um, digo-lhe, e à mamã também vais fazer o mesmo, ok? A velocidade com que de repente se lhe assoma uma tristeza tão grande, tão seca e tão lágrima é impressionante. O pior de tudo é aquele choro sem voz que lhe sirva, que o exprima. O que é que foi, meu querido?, o resto é já imperceptível, a voz mistura-se com a água e perde distinção, clareza, ele sente isso, repete, está apostado em fazer-me perceber a dimensão da minha estupidez: Eu não quero que o pai e a mãe tenham namorado porque depois o Pedro já não tem pai nem mãe. Acabamos a noite assim, vazados, amarrados um ao outro por um nó cego, onde é que les aprendem isto, um sexto sentido, o que é isto?, prometo-lhe, olha para mim, olha para mim aqui, o pai não quer nenhuma namorada agora, o pai não precisa, só de ti, e se alguma vez o pai conhecer alguém ela vai ter de gostar de ti, em todos os dias o pai vai perguntar-lhe, e se ela não te quiser mais eu venho embora contigo. Olha para mim, não chores, ele leva-me a mão aos olhos, limpa-os, o pai agora é que tá a chorar, não sou eu. E abraçou-me tão forte, tão firme, tão meigo que eu fico a pensar, onde, onde é que eles aprendem a sentir assim?
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4 comentários:
Nem imaginas como esse relato me lembrou uma conversa hoje ao almoço, terminada com lágrimas redondinhas a correr pela carita da minha filha, e lágrimas invisíveis na minha cara... Um beijinho para ambos os Peter Pans.
Obrigado.
Ao ler o teu enternecimento, não consegui segurar a minha lágrima... Acho que eles aprendem connosco, só que verbalizam e exteriorizam de um modo que nós fechámos em nós... Temos tanto que aprender com eles...
É, temos tanto a aprender com eles. Sobre eles então, temos tudo.
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