quarta-feira, setembro 29, 2004
Eternuridades
Um. "O problema foi julgar que tu me podias salvar; e eu a ti."/"É uma maçada esta complicação do amor: teimoso e dessincrone."/"Porque o amor continua mesmo quando acaba. E, quando é dos bons, a gente nem quer que acabe. Porque é maior do que a dor e muito melhor do que o nada."
Dois. "agora que penso nisso, há muito que 'o homem que amo' ou 'o amor a minha vida' ou outras pequenas variantes designatórias de uma eternidade improvável, desapareceram do meu leque de expressões familiares. aquilo que tenho é uma consciência inominável, uma voluntária não-verbalização, e um lugar interno especial para as coisas sem nome. "
Três. Aqui não se sente porque a grafia não tem modo de o contar. Mas antes de escrever estive aqui uma boa meia hora silencioso, escavando em mim a resposta. E ainda paro, como agora, num novo silêncio. Eu sei, é paradoxal escrever sobre ele porque no momento em que o fazemos, suspendemo-lo, tornamos à fala.
Quarto. O inominável. O amor nem sempre é propício. Quase nunca é propício em mim. E nunca penso em procurá-lo por si mesmo. Não saio de casa a pensar, hoje seria bom encontrar o amor. Posso pensar, ao fechar da porta, seria bom trazer uma mulher para esta minha cama tão larga - nunca digo foder uma gaja quando falo comigo mesmo - mas no amor não penso.
Quinto. Não que não ambicione o amor. Quero-o com todas as minhas forças, com todos os meus sonhos, com todos os meus desejos, com toda a minha pele, sucos, mucos. É por isso, é por ele, por esse inominável que eu mudei a minha vida e estou só. Também por isso nunca levanto a mão, nem a voz contra a minha solidão. E ouço até pragas que me vêm de outras vozes, do exterior. Não é a minha solidão que escava a tristeza da minha vida triste, é todo o tempo em que não tive só e deveria ter estado.
Sexto. Nunca penso em procurá-lo por mim mesmo. Mas por vezes há algo que me bate no rosto e abre uma ferida, um buraco de onde a única coisa narrável é uma enorme vontade de amar, de compartilhar.
Sétimo. Lembro-me de que isso ocorreu ontem durante o black-out. Vim até à varanda ver se era apenas a minha casa que tinha mergulhado nas trevas e percebi que toda a Mouraria adormecia numa escuridão repassante aos prédios, às ruas. Olhei lá ao fundo o rio, antes da Lisnave e depois do Castelo. Precorri a varanda larga e vi-me ali, quarenta e dois anos passados, no privilégio de ter uma cidade para olhar. E o pecado não é olhá-la, é amá-la. Nesse momento uma pequena lágrima interior sacudiu-me por dentro, numa falta de uma presença a meu lado que pudesse de alguma forma atenuar a intensidade da dor e da violência que aquela beleza me provocava.
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1 comentário:
Jpn,
Li o que escreveste sobre ele. Assim enumerado é lindo e lógico.
Não consigo mesmo falar, nem escrever sobre ele. Um dia, ele falará por mim. :-)
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