terça-feira, setembro 28, 2004
Sócrates na cidade
ou uma espécie de declaração de (não) voto
Quando, depois das autárquicas - e após Eduardo Ferro Rodrigues assumir a liderança do PS - me inscrevi neste Partido, devo ter sido atacado por um ataque de humanidade desavinda. É um facto que Ferro tinha sido o meu ministro e eu hoje ainda me curvo pelo seu exemplo de entrega, inteligência e abnegação política; também é certo que eu trabalhava com um outro Eduardo, homem que era exemplo muito próximo da qualidade politica do seu amigo de sempre; não menos verdade que o nascimento do meu filho instalara dentro de mim um upgrate de uma combatividade politica que eu não reconhecia assim, em cores, há muito ( desde os tempos de adolescente em cata de uma revolução que várias vezes me passava ao lado de casa, nos Olivais, quando ela ia traquitanar em direcção aos Ralis, ou ao Aeroporto). E por último, se há partido que pela sua história, pelo seu movimento, pelo que assumiu e contribuiu, poderia, num tal ataque desavindo de humanidade, levar-me a saltar a cerca da independência, esse partido era, e foi, o Partido Socialista. E não estou arrependido. Posso, principalmente neste blogue, dizer que voto em Sócrates e que depois lhe entrego o cartão de militante. Dou-me aqui ao luxo de soltar a emoção. Mas não. Nunca votaria em José Sócrates. Nem em Manuel Alegre. Ou seja, talvez votasse numa única e determinada circunstância: se não houvesse blogues. Se não houvesse blogues e a minha abstenção ficasse ali a marinar no caldo daqueles que não se interessam pela política. Se ela não pudesse ser expressa, fora da urna, mas expressa. Votei. Não lá. Estive a cinquenta metros da mesa de voto durante dez horas, e não houve talvez um momento em que não tivesse de dominar o meu impeto anti-abstencionista. Votei em não votar no José Sócrates. Não por ele ser mediático. Jovem e ambicioso politicamente. Qualidades que lhe aprecio. Foi um dos melhores ministros de António Guterres e, com Ferro Rodrigues e Manuel Carrilho, um politico que mostrou que coragem, inteligência e programa são indispensáveis para se marcar Portugal. Não votei nele por uma única razão: a sua arrogância política. A arrogância com um programa, como aconteceu quando esteve no Ministério do Ambiente, ainda é consumível, principalmente se estivermos a falar de um politico com as ambições e a força de Sócrates. Sem programa, é um convite ao descalabro, ao lider-dos-oitenta-por-cento-e-agora-vamo-nos-ao-Santana . Mas vamo-nos com quê? Muito ávido (do poder) deve ser aquele que não percebe que com o seu gesto de não definir politicamente a sua acção é o mundo da politica que caminha para o seu fim. Voto contra isso. Quando alguém me telefona a dizer, o camarada já votou, não camarada, ainda não, mas vai votar, camarada, em bem queria, camarada, mas estou feito num trinta e um, acha que o posso ajudar, camarada?, claro que pode camarada, não devo ser assim tão lerdo que nem vá lá com um empurrão, o camarada sabe que o PS é um Partido com Cultura de Poder, silêncio, não digo nada, quer dizer, digo, mas ela não percebe, o PS é um partido com uma Cultura de Poder, camarada, silêncio, Camarada, o PS é....está-me a ouvir Camarada? Estou a perder o contacto...pois estás, penso eu de mim para mim, pois estás. Dizerem-me que o PS é um Partido com uma Cultura de Poder para justificar não o profundo trabalho em construir uma alternativa de poder mas um movimento oblíquo, em redemoinho, baseado nas pessoas, nas redes e nos tentáculos, não me parece sério e voto contra isso. E não votaria nunca em Manuel Alegre, embora agora mesmo, tenha ido ligar as suas palavras ditas pelo Mário Viegas. E não votaria nele pelas razões que, em demasia, já aqui foi dando conta. Se Sócrates foi um candidato esvaziado de um programa, Manuel Alegre era um programa sem candidato. A sua candidatura foi um incongruente espectáculo de uma esquerda - que parece ter complexos de superioridade- e que, embora tenha muito mérito não é proprietária do espirito de esquerda, do 25 de Abril, ou seja lá de que ícone for. O folclore contra o aparelho por parte de alguém cuja maior qualidade política era surgir enquadrado por um aparelhistico movimento de notáveis, foi doloroso. O folclore contra a transferência de capital mediático por parte de um candidato a um ou dois cargos para os quais não tem nenhuma especial manifestação pública de competência anterior e onde a sua candidatura só se ancora numa capitalização descordenada da sua mais valia mediática, foi pungente. É triste dizer isto, mas eu só votaria no Manuel Alegre se ele tivesse sido candidato, o que para mim nunca aconteceu. Por último, e já percebeste o meu sorriso, parece-me que foi muito positivo o saldo desta abertura do Partido Socialista à Sociedade Aberta, e se pensarmos que cumulativamente foi no PS que começou abertura dos partidos ao voto directo e universal, então o contentamento é ainda maior.
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