sábado, setembro 25, 2004

ZOO STORY

Parece mas não é uma redundância. Estava uma noite africana ontem no B.Leza. O mulherio, como gosta de dizer o L., é outro. Vai lá ver, recomendou-me ele. Estava de facto. A banda da casa e mais uma voz nova, talvez tenha sido ela a trazer esta enxurrada de gente não habitué. Outros por acaso. Como tu. Não sei dançar, já não sei dançar, disseste, quando te fui tirar de um olhar modorento, descobri eu depois, desenquadramento de quem já tinha, há vinte anos, descoberto o gingar roliço do Lontra, do Ritz . Levei-te pela mão da morna, daquele kizomba atrevidote - a Éclair a rir-se, suponho, ela sabe, já lho confessei, que não sei kizombar- mas a verdade é que da terceira vez que dançámos, e já tinhas feito uma pausa para respirar um novo ar, é que eu percebi que quem me levava pela mão eras tu, uma mão entrelaçada na minha, doce, impossivel e ao mesmo tempo ali. Eras tu que me levavas e me conduzias por esse gingar da tua outra vida neste baile dançante que é a vida. Disseste-me, por palavras tuas, meigas e timidas e simultaneamente arrependidas que não te chamavas Loreta, que eu não era o Mamute e que, principalmente que eu nunca seria teu, que tu nunca serias minha. Lembro-me, ao primeiro momento estranhaste o meu sorriso. Tinhas de ir para o pé dos teus. Vigiavam-te os passos. Estranhavam-te os dedos. O suor a fundir-se com o meu num pranto, num queixume. Não havia aquela exposição do sexo que é já uma imagem mítica da dança caboverdiana. Não valia a pena. Havia um gingar. Os nossos espiões estavam a nosso lado. Disse-te, afastemo-nos, basta-nos os dedos, o olhar, eles nunca procuraram aqui a saliva, o suor, o mosto do enebriamento. E agora, porque já o sabemos, voltaremos a dançar, daqui a pouco. Como se nos despedissemos. Aqui nesta pista, enquanto aqui estivermos, se não levarmos os nossos gestos profanos para longe desta tablado, estaremos mais resguardados que numa igreja. E assim foi. Procuraste-me com os olhos e eu chamei-te com os meus. Nunca, nem nas mulheres que amei, nem nas que me amaram, senti essa tua certeza, essa tua limpidez. Dissemos adeus limpando o suor, desenlaçando as mãos, os corpos, cumprindo assim o ritual de uma noite africana. Como diz uma amiga, esses teus lugares de encontros improváveis e felizes, felizes, mas improváveis. Digo-te eu, depois de me ter deitado com uma calma, um apaziguamento feliz e inusitado, estamos aqui no exacto escrever da nossa maldição.

1 comentário:

Carlos disse...

Belo.
Como um quente entardecer no palmar da Ilha...