quinta-feira, outubro 14, 2004
Olhos nos Olhos do Futuro
Não poder ir no próximo fim de semana à Terra do Nunca deu-me umas saudades insuportáveis de o abraçar, de o beijar, de brincar com ele. Convidei-o por isso para jantar, na casa dele e da Sininho, a mãe. Tenho, por uma necessidade absoluta de olhar para a frente, pensado muito pouco na família onde ainda há menos de um ano eu também era. Por necessidade absoluta e por cobardia. Estando quase sempre em estado de procura ou pelo menos de não preenchimento, esta determinação em não querer olhar para trás parecia-me a melhor resposta às defesas daquelas mulheres de quem me aproximava, que invariavelmente tinham tendência para dizer que "isso ainda está muito fresco, ainda há tempo para uma recaída". Como se deixar para trás uma vida fosse a mesma coisa que abandonar o esfumaçar, por exemplo. Não olhar para trás era assim uma forma de me mostrar forte, corajoso, determinado, digno enfim das carícias desejadas. Rio agora destes artíficios da mente. Somos todos tão frágeis quando nos couraçamos e tão robustos, fortes e ágeis quando assumimos a nossa falha sísmica, a nossa incompletude. O facto de não pensar muito na família em que eu há tão pouco ainda era tem também a sua vantagem. Por vezes deparo-me com ela, sinto-a e ela tem um sabor inaudito. Ontem foi um desses dias. Ele estava lindo, no seu pijama de presidiário com riscas azuis, cabelo curto, estava lindo. E tinha algumas frases, daquelas que nos ouve e que atira para a frente, começando o seu trajecto de vida no mercado dos afectos, dos sentimentos. Quer mostrar-me os brinquedos, aprendeu a só ir buscar um quando já arrumou o outro, ri-se das minhas palhaçadas e brincadeiras, abraça-me a propósito e a despropósito, "estava com muitas saudades do pai", faz-me desenhos, come sopa porque eu como, "o pai dá, mãe". Eu e mãe ao princípio quase não nos olhamos, é o primeiro encontro assim, desde o Verão, mas sei, ela está tão embevecida como eu. E quando a hora de deitar chega, "o pai lê uma história". A mãe aproveita-a para se escapulir para a sala, ele pede a mãe, vamos a trocar, "o pai e a mãe aqui", assim é, por momentos voltamos a ser uma família, uma família muito especial; sabemos que independentemente da possibilidade destes encontros amadurecemos o suficiente para estarmos à mão, próximos, disponíveis, mas não na mão das necessidades afectivas de uma criança que naturalmente gostaria de ver o pai e a mãe juntos. Uma criança que com o pai e a mãe vai ter de aprender, em conjunto, onde é que esse retrato familiar é ou não possível. Aprendizagem em conjunto. São horas de ir. Saio de casa para a noite com a sensação clara de que é para a frente que olho.
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1 comentário:
já li duas vezes mas não vou dizer nada
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