domingo, outubro 31, 2004

Viagens com Che

De Che Guevara pouco mais me ficou que a boina, que ainda por cima se confundia com as do meu avô, um alentejano que não se fazia à invernia sem o seu capote e a sua boina preta. Lembro-me também de um colega meu do ciclo, eu tinha acabado de chegar a este admirável mundo urbano, estavámos a uns cinco meses do 25 de Abril, esse meu colega era cubano, personagem com ascendente na turma por ser neto de um vendedor de gelados - era melhor do que ser filho de primeiro minsitro - era ele que em autênticas rixas e disputas verbais com um outro tipo, nos introduzia nomes como o de Fulgêncio Baptista, Fidel,Allende e Che Guevara. Tinhamos onze, doze anos, eram nomes apenas, não percebiamos nada do que estava em jogo, apenas eramos sensiveis aquele empenhamento do nosso colega que a tantos quilómetros de casa se levantava emocionado para defender a sua terra. As minhas memórias de Che Guevara são por isso nenhumas. Acabo de vir do fime sobre a viagem que Ernesto Guevara fez com o seu primo. Parece-me que o filme, que vale sobretudo como roteiro de uma possível viagem pela América Latina, e que vive especialmente da parelha de actores principais, é um filme muito pequenino destinado a reiterar o mito. Era um desafio dificil, enorme, ainda por cima porque haveria sempre contornos factuais a tentarem dobrar o guião. Provavelmente os filmes pequeninos constroem-se diante dos mesmos dilemas de onde surgem as grandes obras.

3 comentários:

mfc disse...

Quem morre antes do tempo, arrisca-se a ser considerado um mito.
Nunca se saberá o que Che hoje diria...

textura disse...

Será que o filme se propõe a esse objectivo? O de exaltar o espírito intrépido e determinado de uma personalidade que se bateu por ideiais? Pretendeu não deixar adormecer em nós essa ideia colectiva?
Quanto a mim foi uma grande conquista, porque fala de Che e de Granado, mas podia falar de qualquer pessoa. Do como uma viagem nos pode alterar profundamente, de onde podemos voltar, segundo o próprio Fuser, não os mesmos que fomos um dia.

JPN disse...

Pelo que percebo do teu entusiasmo, o filme está condenado a fazer conviver essas duas visões, entre a adesão à sua proposta, que também creio ser essa que tu identificas, e o cepticismo de quem, como eu - por não lhe encontrar força nem garra para cumprir essa proposta de que falas - o vê relegado para um papel de mera reiteração do mito. Ainda bem.