domingo, novembro 21, 2004

Na impossibilidade do poema

Seria incapaz de escrever um poema. Talvez senti-lo, escutá-lo, olhá-lo. Tocar-lhe levemente com os dedos. Ou até, dançá-lo; levando-o pela mão até à pista onde os corpos se tombam, caem, no cansaço de refazer permanentemente todas as intuições. Seria incapaz de o escrever. Tenho com a poesia esse trato descomunal: ela permite-me que eu a viva, deixa-me mesmo por vezes a ousadia de me envolver no seu perfume, e eu transijo: - Nunca serei poeta. Não tenho, ao presente, nenhuma razão para pensar que este contrato será denunciado antes de, com ele, se extinguir a vida que o assinou. Amo por exemplo a poesia do mundo fluorescente. Não sei que mundo é esse, até porque até prova em contrário, vivo num mundo declinante. Mas amo-a e sei que, amando-a, é esse mundo fluorescente que me reacende a cegueira do viver. É essa poesia assim, à qual acedo sem palavras-passe nem segredos ou cochichos, apenas por respirar e respirar o mesmo ar, é essa poesia assim, descarnada, sem tréguas, que me permite amar um mundo que desconheço e dizer até, com a voz embargada num sussurro, numa emoção: - Voltarei aqui a este mesmo lugar e tornarei sem nunca voltar. Apetece-me ir.

1 comentário:

Anónimo disse...

O poeta terá sempre a minha admiração. É poeta!