segunda-feira, novembro 15, 2004

Réplica....

"uma palavra pode destruir a substância incerta de uma coisa, que amamos por desconhecê-la, pode transformá-la noutra coisa qualquer - que não estava na sua natureza ser. aquilo que se diz, transforma o destino das coisas que criamos. o erro e o equívoco são, contudo, os nossos maiores aliados" Há posts que fazem estremecer e, como um tremor de terra, também têm as suas réplicas. Este é uma réplica deste. Dizemos que a terra tremeu ontem e esquecemos o mais importante, sem o qual esse estremecimento nunca tinha almejado ser um acontecimento nosso: fomos nós que trememos na terra que estremeceu. Não se esgotam no entanto as palavras com este circulo replicante. Talvez seja preciso aditar duas coisas. A primeira, que sendo todos nós que aqui andamos, seja qual o credo político ou a confissão religiosa, de uma comunhão de fé nas palavras, de uma comunhão exarcebada, temos tendência para passar tudo a escrito. Ía a escrever: temos tendência para reduzir tudo a escrito. Quando a mão pousada sobre a mesa se levantou para segurar na mão que escrevia. Nem sempre será redução. Muitas e muitas vezes é mesmo, ampliação. Se não acreditássemos que a escrita agrandizava a realidade sobre a qual o seu gesto se detém, ocupando-se dela, por que escreveríamos? Ora esta posição, sobre a redução ou ampliação que ocorre quando escrevemos, diz logo em que lado do mundo, e da própria escrita, estamos. É claro que a escrita se resolve no desdobramento de papéis. Para só falarmos dos extremos, porque este jogo de espelhos é infinito, ou tende para o infinito, hoje pode surgir um escritor que escreve laudando a capacidade que a escrita tem para fazer do mundo, mundo. Logo depois pode entrar em cena um outro escrevente arrenegando essa mesma possibilidade, em nome de uma vida que resiste à sua passagem a escrito. E em ambos nós, os das palavras, nos consumimos. E mais, ou pior, do que isso, porque não temos o dom da ubiquidade, não nos sobra tempo para tudo o resto. Era disto que falava Braudilhard, em Simulacros e Simulações. Falamos por filtros e assim, já nem escavamos o entendimento, a sua procura. Apenas vamos ambicionando o tecido que nos permita continuar a palrar. Somos, na palração, seres infinitivamente palrantes. A segunda coisa que me apetece dizer, e são sempre aqui coisas que me apetecem dizer, não consegui ainda, estou conformado, não o conseguirei nunca, atingir um estado tal de cumplicidade bloguistica que me permita escrevinhar com o silêncio, seria a mais feliz das criaturas se pudesse chegar aqui e deixar não escrito, a primeira coisa que hoje não vos direi é.... Enquanto escrevo o relógio miniatura no canto do meu ambiente de trabalho vai-me dando conta do tempo de palavras e do tempo de silêncios que um mesmo texto harmoniosamente integra, sei que nunca lerão os silêncios, continuo na sua senda, tenho a ilusão de que se me entenderem as palavras será tão somente porque me vislumbraram a silenciatura, dizia eu, a segunda coisa que me apetece dizer é que a nossa forma de pensar está aprisionada à nossa linguagem. Poderei ser o mais vil dos homens, mas se falar como um homem livre, dia após noite, um dia acordarei liberto. Não se trata meramente da capacidade performativa da linguagem de que falavam Peirce e Austin. É algo um pouco mais além no nosso desígnio de seres falantes. Se alguém dos que me lêem for daquelas pessoas a quem nada satisfaz, que se encharca em expressões como tanto faz, mais ou menos, assim-assim, experimente durante vinte e quatro horas responder a tudo que sim, ou não, mais e menos, muito ou pouco, e depois venha aqui falar da experiência. Não falamos apenas porque somos, aquilo que falamos, transforma-nos.

2 comentários:

Anónimo disse...

Nunca duvides que o silêncio fala.
Por exemplo, o teu diz-me muito.
Também provoca reacções quimicas: H2_O escorrendo pela pele de uma expressão confusa. Uma experiência várias vezes repetida no meu laboratório.
Fica em Paz
YS

Anónimo disse...

:-)