quarta-feira, dezembro 15, 2004

Tantas pessoas felizes

Aconteceu-me uma coisa tão bonita, joaquim, foi assim que ela hoje, no Irish Bar, já as dez cavalgavam para as onze, me contou de como este afecto pelo colódio está à beira de lhe dar uma felicidade para os dias futuros. Ela gosta de cuidar da memória e quando digo que gosta quero dizer que faz com gosto. Dorme melhor. Até tem sonhado mais com o seu avô. A nossa conversa começou por aí aliás. O meu fazia bonecos de pau, o dela era ferreiro. Está a guardar o tempo em caixinhas, em dispositivos que acarinham estes rastos de luz para o tempo em que já fomos, é assim, desta maneira que ela fala do seu trabalho, e quando é assim, nada a fazer. Ela gosta de passar as suas manhãs e tardes a ver as fotos antigas. As fotos antigas de um ricaço sem nome na lapela mas que trouxe centos de fotos familiares das suas viagens, dos seus passeios e piqueniques, fotos em "que as pessoas estão sempre tão felizes"; ela vibra e ressoa ao passar os dedos pela pelicula onde uma poeta como Ana Haterly sai para a rua num Abril primeiro a roubar os rostos, os gestos da fragilidade, e ímpeto, e força, revolucionária. Mas aquelas pessoas felizes, poder ir com elas outra vez a Paris, no princípio do século, ou a Seteais, os piqueniques em Seteais, não os vejo, saboreio-os pela descrição que deles ela me faz, os encontros do circulo de escritores, de pintores, uma sociedade a preto e branco cheia de côr, isso tudo não lhe sai da cabeça. São autênticas janelas indiscretas com anotações de viagem, de organização. Ficamos nós também um pouco mais felizes. Eu estava cansado do atelier de escrita, ela estava com os olhos em bico de tanto compensar as fotos de centos de miudos das escolas, cruzámos quando estávamos a quinze minutos do Iris bar, dez minutos depois ela teria virado para a ponte, eu teria descido a Rua Garrett e a Rua do Carmo rumo a casa, vá lá, vamos comer alguma coisa, estás com ar de quem não vês o mundo há muito, desde miúdo que gosto destes dias, e podem ser noites, a gente sai e começa a criar-se um aperto no peito, olhamos para todos os restaurantes e nenhum é ajustado à nossa solidão, de repente um clic, lembramo-nos de não nos ensimesmarmos nas nossas misérias e torpezas quotidianas e de repente ele é isto, uma leitura partilhada, não de um livro, desta vez, das horas que a vida tem e, em tendo, no las deu. Gosto destes dias, e quem diz dias diz noites, assim.

1 comentário:

Anónimo disse...

E eu, previsivelmente não consegui resistir a dizer como foram bonitas as palavras e, mais previsivelmente ainda, desejo um feliz natal. É lugar comum, pois é. Mas tb é verdade.
a-T-é! *
P.