terça-feira, janeiro 18, 2005

Angolares, 2000

Ontem outro mundo vi naquelas fotos de Angolares, da roça de S. João de Angolares, naquelas dezenas de olhos pequeninos e brilhantes em torno da mulher branca, no verde luxuriante, nos coqueiros e nos corpos esguios e ágeis que por eles trepavam, nas roupas a secar no meio da estrada, no seu riso imprescindível no meio daquele calor sufocante, nos pequenos barcos à vela onde as crianças experimentavam a força do mar, naquele céu crispado, denso, húmido, na panela no meio do chão a fumegar, nas casas coloniais, até naquela rua da embaixada portuguesa que estava a ser alcatroada para a visita do sr. doutor eng e primeiro ministro português. Outro mundo a que meu chamei por afecto e por aquela reverência a que me habituei sempre que dou com a vida que a vida tem. Lembrei-me do filme Outros Bairros, que vi no domingo, na Abril em Maio. A mesma sensação de que conseguimos exportar os nossos mundos e até, fazer com que a fome, a carência, o desejo, a sedução, convertam os sonhos de uma terra prometida, num naco de tijolo e cimento esforçado nos bairros que crescem nos arredores da nossa cidade. Comprovamos aí, muito sumariamente, a prova da supremacia dos nossos mundos, dos nossos sistemas politicos e das nossas culturas. Geralmente fazemo-lo em contextos desgraçados, em que aquilo que se evidencia é a nossa arrogância e a nossa dificuldade em vermos para além dos nossos narizes. Só não conseguimos que entre cada um de nós e a terra onde nascemos haja aquela força, aquela relação tão telúrica quanto visceral entre um e o chão onde está enterrada a sua placenta. Voltemos às coisas simples.

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