quinta-feira, janeiro 06, 2005

Até ao fim

" Em todos estes anos, já assistiu a mortes tranquilas e mortes atormentadas, mortes em paz e mortes na agonia. Pode morrer-se de formas muito diferentes, não é?- -É verdade. E muitas vezes a morte reflecte a forma como vivemos. Ainda assim, posso dizer-lhe que seja qual for a maneira como morremos, o momento da morte é sempre um momento de apaziguamento profundo. Sem isso a morte não pode chegar. Para morrer, é preciso soltar as amarras. Mesmo se ainda subsiste um estado de revolta, há um momento em que nos deixamos ir e é então que morremos. É interessante, porque isto quer dizer o seguinte: mesmo quando morremos na recusa da morte, há pelo menos um momento em que conseguimos uma espécie de paz no abandono de nós mesmos. Já se apercebeu alguma vez desse momento? - Sim, apercebo-me de cada vez que acontece. Eu assisti à morte de pelo menos trezentas pessoas e vi esse momento em todas elas. Se pouca gente o vê, é porque pouca gente observa. Pense nisto: quem tem a experiência de assistir, verdadeiramente, à manifestação clínica da morte? Pouca gente. Os médicos quase nunca estão lá. Quem fica até ao fim são as enfermeiras e as pessoas como eu." Marie de Hennezel, pioneira dos cuidados paliativos, entrevistada por José Mário Silva. DNA de 21 de Julho de 2001. Excerto de uma entrevista a que irei voltar ainda algumas, próximas, vezes.

3 comentários:

Anónimo disse...

Já assisti a mortes, o que se chama aqui de "espécie de momento de paz no abandono de nós mesmos", trata-se simplesmente da paragem completa e definitiva das funções vitais do organismo. A forma como olhamos o outro que morre, é que nos leva a, de certa maneira, a idealizar esse momento. Com o conteúdo de linguagem próprio de cada um.
Só os tolos é que desistem.

JPN disse...

Ou só os que morrem. E a morte não poupa ninguém. Tolos ou não. O que mais me impressionou no seu comentário foi a certeza com que defeniu o que "simplesmente" acontece.

Anónimo disse...

No último do último momento, acontece o fim da vida animal (ou vegetal), simplesmente. O sofrimento já ficou para trás. Para os vivos, isso é outra coisa.