segunda-feira, janeiro 24, 2005

Quando os anjos de asas cortadas falam dentro de nós

Acabei de fazer a transcrição dos dois textos anteriores e desatei a chorar, acordando os anjos de asas cortadas que tenho dentro de mim. Gente vitimada uma, duas, três vezes. Uma primeira vez pela vida que lhes calhou, depois, pela forma estúpida, canalha, hipócrita como mais não fazemos do que reproduzir o esquema de violência a que foram sujeitas. As vozes daqueles técnicos que decidem tudo e que não sabem compreender que por um problema deles enquanto pessoas e enquanto técnicos estão a prolongar em dor o abuso a que foi sujeita aquela criança, são vozes doentes, de uma doença terrível porque não sabe reconhecer-se como doença. E se lhes fossemos dizer isto, olhar-nos-íam com cara de espanto, e como se estivessem a preencher o totoloto perguntariam: - Mas defendem o quê? Que ela interrompa a gravidez? Ou que seja mãe aos treze anos? São assim estas vozes castradas, castrantes. Não admitem que o mundo possa ter, por momentos, intervalos em que as respostas estão em suspenso. À espera que uma criança de treze anos tornada repentinamente mulher possa sentir que, por momentos, por mais breves que sejam, o importante não é nem uma nova vida, nem o abuso de que foi vitima, apenas ela, com as suas descobertas, os seus medos, a sua dor. E que ela possa, já nem digo decidir (que sacrilégio!!!), sentir-se mais próxima da decisão.

3 comentários:

maresia disse...

Por ti Vanessa, para ti Vanessa, que aos 13 te vi diferente, perdida e assustada.
Que aos 13 te olhei e te compreendi, curiosa com o teu corpo, ansiosa pelo que nele crescia, sem entenderes as tuas emoções, surpreendida com os que te rodeavam e te olhavam daquela forma como só tu podes tentar esquecer.
Agora, vejo-te (já) Mãe, (ainda) criança e feliz. Conseguiste esquecer o que ao esquecimento pertencia. Conseguiste recordar o que à alma se apegava. Vejo-vos e sou feliz.

maresia disse...

(5º andar, sala com paredes brancas, vista sobre Lisboa antiga, chupetas esquecidas pelo chão. Vanessa, agora com 14 anos, Mãe. Lara Fabiana, já com 8 meses (como o tempo voa...), Filha. Patricia, 33 anos, ainda tão inexperiente nestas coisas da maternidade, 33 anos).

"Diz-me, Querida, como chamas tu à tua boneca quando falas com ela? Lara? Fabiana? Lara Fabiana?", sorri, simplesmente feliz "Não sei, depende... quando estou contente chamo-lhe Amorzinho da Mãe!" e passa a mão no rosto também feliz da sua boneca.

Esqueci-me de te dizer, estou tão orgulhosa de ti, que agora, entre os infinitos afazeres de Mãe, tenhas encontrado a força e a vontade para aprender a ler e ser a melhor aluna da turma. Sinto-me tão feliz, agora já podemos ir ao cinema juntas, já consegues ler as legendas, não é?

cris disse...

Quando as palavras são genuínas fazem-nos sentir coisas fortes. Mm q dolorosas. Depois de ler, sinto isso. Bonito post. Obrigada.