sexta-feira, fevereiro 11, 2005
Vozes na loucura
Trabalho cá em cima, ao pé da 3ª Ordem, o chamado piolho ou galinheiras. Não raras vezes levanto-me e vou sentar-me nas bancadas, olhando a sala, silenciosa. Há vozes, sons, murmúrios. Em cima, no tecto, as esfinges de poetas dramáticos. Às vezes pergunto-me, de quem são estas vozes que ecoam na minha memória quando aqui me sento para desfrutar o mundo? Hoje, através do Absorto, soube que algumas delas são de refugiados em fuga da ofensiva nazi. Hei-de escutá-los mais vezes quando aqui me sentar. Uma humanidade em fuga por causa de uma guerra que esventrou a Europa é - continua a ser dentro de nós - um acontecimento do domínio da loucura. O desejo de união que as várias concepções de uma Europa comunitária promovem beberá aí nesse horror. Não é por acaso que Sarajevo foi a revisitação do horror. De todos os lugares onde a façanhuda ideia de homem se sobrepôs à ideia de humanidade. E agora pergunto-me, e mais uma vez estou abrigado por um teatro, o que teremos ainda de viver para sentirmos na pele, no chão, na terra, a violência e o horror que colocamos no mundo inteiro?
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3 comentários:
Eu acredito que os lugares preservam algo que é captável, audível, mesmo sem se saber o que lá aconteceu, quem por lá passou. Deixamos pele por onde passamos e onde estamos, libertamos químicos, estamos sempre a deixarmo-nos por todo o lado. Todos os sítios têm restos do passado, nós é que fazemos muito barulho...
Éclair
Mas não sentimos já? O que andamos cá todos a fazer? Uns a encenar novas peças de violência, outros a limpar no dia seguinte o palco e os restantes a sentirem. Ou um aperto no peito ou a deixarem cair lágrimas de crocodilo pelo canto do olho.
NR
Sim, enquanto se escreverem peças sobre a violência e almas capturadas por ideologias é sinal de que quem as escreve ainda sente e de que quem as vê ainda sente. Para apertos no peito, psicofármacos. Há-de forma de sentir fisicamente não dolorosa.
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