domingo, março 06, 2005

O Sotão da Cigarra

Talvez uma das razões porque gosto tanto de ver chover do lado de fora da janela seja o da memória dos tempos em que chovia e ficávamos no sotão a brincar, eu e o João e o Pedro. O sotão era a todo o comprimento da casa e era uma autêntica ludoteca. Eles os dois gostavam de enriquecer. Eu de saborear a vida. Era o parceiro perfeito. Eles é que organizavam tudo, eu só tinha de vir depois. Faziam notas, punham o restaurante a funcionar e depois davam-me dinheiro. E eu lá ía, saltitando do restaurante de um para o do outro, a comer os petiscos que eles confeccionavam nas pequenas formas de bolos. No fim da tarde descobriam que estavam ricos. Eu pobre. No dia seguinte voltariam a fazer mais dinheiro, a preparar mais guloseimas ou acepipes. Eu achava divertido o facto de eles não repararem que tudo aquilo era a fingir, a papéis e que se esfalfavam a trabalhar para que eu pudesse andar ali a saborear as mias diversas paparocas e mistelas. Ficou-me para a vida esta ideia.