sexta-feira, abril 15, 2005
O primeiro castigo
Vim agora da piscina, fui lá dar uma espreitadela. Ele é muito indisciplinado. Quer dizer, é como ó pai. A mãe do lado de cá, como eu, lá me vai dizendo para encolher os polegares e não fazer aquele ok vigoroso, a duas mãos, que eu e ele trocamos antes e depois do seu deslizar pelo escorrega. Desliza. Fá-lo antes da professora lhe fazer sinal. Ela leva-o ao colo, ralha com ele porque desceu sem ela lhe ter dado autorização. Senta-o no parapeito da piscina e coloca-o de castigo uma rodada de saltos. Olho-o a ser castigado e tenho uma sensação estranha. Por um lado eu o pai, estou a vê-lo ser castigado e não lhe posso ir dar um xi-coração, derreter-me com ele. Penso em ir lá disfarçado de Popeye, virar a professora do contrário batendo-lhe com a cabeça no chão até ficar tão mirradinha que caiba numa lata de espinafres. Depois, por outro lado, era como se o castigo fosse também para mim. Senti-o na minha pele de criança rebelde. Foi um castigo curto mas deu para ele o sentir. Durante todo o tempo que durou nem olhou para mim nem para a mãe, que estava vitoriosa. Eu, passada a emoção do momento, já me entretia a fazer planos dos numerosos castigos que lhe poderia aplicar da próxima vez que voltarmos a estar juntos.
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4 comentários:
há castigos bonitos, não por serem castigos, mas porque nos abrem outra janelinha no coração
Acho os castigos uma figura incompreensível. Os castigos são para quem está fora da lei: as multas, as prisões. Agora para uma criança acho absurdo. Os adultos não recebem castigos, apenas a consequência dos seus actos. Por que é dão castigos às inocentes crianças? Por que não apenas repreender? Já é suficientemente desagradável. (Leonor)
Leonor, os castigos não são (sempre) incompreensíveis. Quando vistos e aplicados de uma forma construtiva, podem ajudar uma criança ou um adolescente a perceberem que somos responsáveis e responsabilizados pelos nossos "crimes" mas, também, que podemos aprender alguma coisa com esse "erro".
Conheço uma pessoa desde sempre sensível às piores realidades deste mundo que conseguia, através de uma participação activa na Associação de Pais de uma Escola onde quase só apareciam crianças de bairros sociais degradados, habituadas à lei da faca e nunca ao carinho e valorização, que 2 ou 3 entre as muitas outras mais, fossem castigadas de uma forma totalmente não punitiva.
Vi suficientes pré-deliquentes que teriam sido suspensos das aulas e do espaço escolar durante uma semana ou mais, para ficarem nas ruas sem tino nem destino que não o de criarem vícios e bandos, serem colocados na pequena cozinha a ajudar mas, melhor ainda, nos canteiros da escola, plantando e acompanhando o crescimento saudável de meia dúzia de plantas agrestes. Esse acompanhamento infelizmente era muitas vezes feito, não no decorrer normal de uma manhã de escola, mas sim no decorrer de castigos sucessivos...
Deixei de ter contacto com essas crianças, não sei como cresceram nem no que se tornaram, mas tenho a certeza que, mesmo preferindo andar a sacar carteiras ou furar pneus por aí, nunca esqueceram os dias de ancinho na mão e a magia que é ver alguma coisa crescer do nosso trabalho. Diz-me essa pessoa que, frequentemente, é abordada por jovens que lhe dizem "Lembra-se de mim? Plantei o arbusto do canteiro do fundo".
Talvez isto tudo não passe de uma utopia, mas fico feliz por saber que existem pessoas ainda utópicas.
Há castigos e castigos. A menos que sejamos discípulos cegos e crentes de Rousseau, sabemos que os castigos são essenciais para que a criança tenha noção dos limites.
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