terça-feira, abril 12, 2005

Ouvir o verde das sombras vivas

Tive de passar nos Olivais, há pouco, por causa de uma reunião. Subi a Av. de Luanda, passei nos Viveiros, a Eça de Queirós, vi povoar-se comigo e com as sombras daqueles que comigo lá foram, vi o cheiro do tempo, da memória, vim calmamente, passei ao lado da escultura do Sam, o primeiro gajo que eu vi chorar na televisão e não era um daqueles reality-shows em que estas coisas acontecem, eram muito antes disso, o Sam chorou comovido com a infindável beleza da tristeza humana. Passo ao lado dos cafés onde sempre estivémos, um carro passa, sim uma rapariga, olha-me, eu sinto que sou olhado, sei que a conheço mas não me lembro logo, estúpido, hei-de dizer mais à frente, era a B., ainda há pouco a tinha visto, era uma das tais sombras vivas no pátio da Eça de Queirós, continuo a passear, vou a pé, decido passar em casa da minha mãe, ela lá estava ao pé da mesa de camilha, rodeada de pequenas doçarias, sempre foi assim, estava bonita, é muito bonita a minha mãe. Ou pelo menso é assim que a vejo. Sempre tive um orgulho enorme nela. Ajudou gente a crescer. Os seus alunos. E nós, a ninhada, fomos na boleia. Ainda me lembro da Isabela, a sua aluna da sexta classe, rapariga de tranças amarelas e sardas às pontinhas vermelhas, gostava de pintar, a minha mãe pegava no ami 8 e lá ía levar-lhe guaches, os pais ficavam todos orgulhosos e libertavam-na das tarefas domésticas, deixavam-na preencher as folhas de papel almaço com cores e riscos, no outro dia elas as duas encontraram-se, num almoço de professores, não foi para as artes, foi para o ensino, tinha conhecido uma professora que a seduzira para o guiar, para o levar pela mão que ensinar também é, essa professora, foi ela que o disse, foi a minha mãe. Começo a escrever este texto porque abro o blogger e apanho um texto da Celta a meio, um texto em que ela ía a falar do verde, achei graça apanhar um texto a meio, vou-lhe fazer uma partida, pensei.

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