terça-feira, maio 03, 2005

Terra da Alegria

Disseram-me, fecha os olhos. Fecha agora os olhos e ouve a música mais triste de todos os dias de uma vida triste. Ainda nem os acordes íam a meio, já eu sorria. É tão alegre, disse-lhe, e a minha amiga, a minha amiga do peito estremeceu as pálpebras, não que estivesse à espera que eu chorasse mas que pelo menos, ruísse, foi esse o termo, disse, esta música é sobre as ruínas. Pressupus, a ruína das cidades, a ruina dos corpos, das vidas, o ruir dos sonhos. Tive de desvendar um segredo: eu nunca serei suficientemente triste. A morte entristece-me. Entristece-me a morte daqueles que amo, daqueles que conheço, daqueles que se cruzaram comigo. Talvez - admito - essa tristeza não seja mais do que a projecção da minha própria morte. Quem sou eu para negar os tortuosos caminhos do meu pensamento?! Entristece-me também a morte vulgarizada, o horror da morte vulgarizada. As imagens do horror da morte vulgarizada já que à morte em si nunca acederei, apenas àquilo que vejo e aquilo que vejo não mais é do que o poema que a imagem faz ao mundo quando o colhe. Entristece-me a morte injusta. Não me peçam para explicar, todas as mortes são simultaneamente justas e injustas, mas cada um de nós tem na memória mortes que nunca foi capaz de compreender. Eu tenho. Nunca entenderei a morte do Artur, nos seus sete anos, envenenado com sulfato, depois de ir à fruta dos pomares. Nem a da Margarida, ela que nós já imaginávamos, seria uma grande, grande jornalista, ali na 2ª Circular. Ou o Pedro Xavier, como é que um tipo daqueles pode ir embora assim?! E que dizer da Mónica Lapa, cuja alegria e riso tanta falta nos fazem? Não me peçam para explicar, há mortes que trazem um travo especial à aleatória injustiça do mundo onde vivemos, e tudo isso sim, entristece-me, deixa-me triste. No entanto insisto nesta ideia rebuscada: nunca serei suficientemente triste. Mesmo quando toda a vida e dia após dia, noite após noite, na sucessão dos meses, se durava na tristeza, e às vezes com esse desespero que já nem tem grito, não estava triste, ía a caminho da terra da alegria. JPN

2 comentários:

Lyra disse...

Gosto daquilo que me fazes pensar quando leio o que escreves. "nunca serei suficientemente triste" é uma afirmação corajosa!

Rita disse...

Ainda bem...