domingo, junho 12, 2005

Acreditar na Vida

A minha crença na humanidade caiu naturalmente como uma mudança de pele. O que não foi nem natural nem isento de dor, foi o modo como me apercebi de que descria do universo inteiro e de nós nele. Por uma razão simples: ao longo do tempo a minha crença na humanidade tornou-se um dogma da minha razão e misturou-se com a crença na própria vida. Quando definitivamente olhei o mundo e percebi que eu já não acreditava num volte-face para todos os horrores que cometemos neste planeta, neste mundo, neste continente, neste país, tive receio do monstro que mirava. Eu era simplesmente incapaz de conceber a pessoa sem um kit incorporado de uma certeza inquestionável sobre a vida e a humanidade inteira. O Joaquim Paulo que amava o verde, os campos, o indizível, estava ali, inerte, fenecido. Pensei que enlouqueceria. E é verdade, por momentos atravessei esse território que vai da loucura à razão. É uma zona de fronteira. Vi-me claramente como um edificio, com uma estrutura, uma ideia, massa, movimento. E só aí percebi aquilo que ainda hoje me permite poder perseguir a ideia de um total apaziguamento físico, mental e psicológico, mesmo sabendo que provavelmente nunca mais serei feliz na minha vida: a de que a nossa crença na vida não morre quando a abatemos, enquanto crença, no cadastro das nossas certezas gerais. As minhas moléculas, os meus atómos, a inteligência que tudo isso tem, levantam-se todos os dias para o dia presente independentemente da extensão do meu pacote das minhas certezas absolutas ou gerais. Haverá um dia em que elas deixarão de acreditar no dia seguinte, eu sei, e isso causa-me, em alguns momentos, uma terrível angústia. Mas isso é outra coisa.

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