domingo, junho 12, 2005

Listas

Sempre fui avessa a listas, as políticas dão jeito, as únicas não. As listas únicas causam democratite, que é uma inflamação na democracia. Tenho uma amiga que passava a vida a fazer listas de tudo e a pedir que as fizesse também. Recententemente dedica-se à jardinagem, ao perfil das begónias, o toque suave das malvas, as violetas tão hidrófobas e orquídeas. Ouvia-a até dizer que está a pensar tatuar uma magnólia no cóccix. Quem diria, estava sempre a criticar a seiva, o mar, o orvalho dos meus poemas. Pedia-me o top 5 dos amigos, o top 3 dos pertences que levaris para uma ilha deserta, o objecto que salvaria se a casa estivesse na eminência de ser engolida pelas chamas, os 10 assuntos que resolveria antes de me suicidar, o quadro de honra das palavras mais quentes (era difícil porque não podia ser nenhuma fonte física do mesmo e eu tão invernil que sou), depois de desfiar as suas próprias listas. Era assim, quando caímos no silêncio disparava uma lista, quando fazia anos, já sabia o conteúdo do postal, em jogos de verdade ou consequência, a inevitabilidade da verdade de uma lista. Era avessa não só pela frequência do exercício, mas pela injustiça relativa à necessidade de decidir quando era feroz a concorrência pelos lugares elegíveis, por ter de a completar mesmo quando eu só achava que tinha 3 amigos e 3 peças de roupa preferida. Cruéis as listas. Hoje voltei a uma que dá sempre jeito quando preciso de me saber. Voltei à do GOSTO/NÃO GOSTO, lista que apresenta brevemente algumas personalidades da nossa praça às sextas feiras, no DNA. Gosto de torradas de pão fresco, embora as faça às escondidas, porque ninguém entende. Não gosto de filas de trânsito sem um livro. Não gosto de crianças introvertidas. Gosto de caril de tudo e mais alguma coisa. Não gosto dos dias pequenos. Gosto de Lisboa cada vez mais. Detesto a poluição do MESMO AR QUE RESPIRAMOS EM LISBOA. Gosto de ouvir chilrear de pássaros de olhos fechados. Não gosto de não me poder ler poesia de olhos fechados. Gosto que me a leiam para poder fechar os olhos. Gosto de chegar ao fim dos livros, mesmo dos que gostei muito. Não gosto da falta de intensidade de algumas relações. Gosto de oferecer fora de datas especiais. Não gosto do Natal consumista e obrigatório todos os anos, nem de músicas natalícias durante a quadra festiva. Gosto de conduzir à noite. Adoro o som que resulta da descida da água pelos seixos, numa certa altura da maré, no fim direito da praia do Malhão. Gosto muito de estórias curtas. Não gosto de não ter conhecido o meu avô paterno. Gosto de cães e gatos, relógios-cuco, velhos de mão dada, festas na cabeça, papel em branco, chá com leite, Jorge Palma de manhã, bolo de noz, Sérgio Godinho à tarde, afagos da Elis a qualquer hora, feiras. Não gosto de esquecer, de gerir mal o tempo, sopa fria, unhas roídas, burocracias, amigos tristes, nódoas na roupa. Gosto de desvalorizar o que não gosto. Gosto de escrever aqui.

1 comentário:

JPN disse...

E como eu gosto que tu gostes de aqui escrever! Do que aqui escreves!