domingo, julho 10, 2005
Corjetes
Uma vez predispus-me a amar uma moça que não podia ser amada. Ela era do campo, aldeã, eu estava de férias no local, tinha uma grande ascendência sobre a malta mais nova mas de facto, o meu cognome, O Lisboa, dizia tudo sobre a desconfiança com que a família me olhava. Eu não era da terra, nunca seria da terra e mesmo que o tentasse - e várias vezes na minha vida tentei ser quem não era e confesso, tive nisso o maior gosto e prazer - não o quereria. Mas eu precisava de lhe dizer e de uma forma que não levantasse a mínima suspeita. Colocar um ponto final nesta história era tão dificil como perigoso. Lembrei-me daquela vez que, tolhido pelo arrependimento quase tinha sido apanhado quando devolvia uns chocolates gamados no Pão de Acúcar. Escrevi então num guarnanapo de papel, não havia ao tempo sms, mms ou qualquer bricolage da comunicação instantânea, as corjetes refogam-se, não é? Deixei-o pousado em cima do balcão do café onde três segundos depois ela entraria. Aliás, foi por causa dessa precisão helvética com que ela controlava toda a sua vida que eu, mesmo diante da dificuldade me decidi - e a contracorrente daqueles que acham que estas coisas não se decidem - a amá-la. Sofreria de tudo, menos de ansiedade. E desde que não seja ânsias, o resto a mim não me mata. Ela respondeu-me, não do mesmo modo, ela nunca tinha sido dada a artes de escrita, mandou a Antónia ter comigo à fonte, mandou-a ter comigo, com um recado:
- Ficam ótimas, bem refogadas.
Nesse instante fiz uma cara sentida que durou uma eternidade e ao fim, chorava. Não que desse muita importância ao assunto. Era fisiológico. O diabo é que onde eu era pinga amor, a Antónia era lamechas. Abraçou-me, repenicou-me, com a água do fontanário limpou-me a minha água, humedeceu-me os olhos, as faces, a própria boca. Foi aqui, quando senti a sua saliva que percebi, as corjetes, quando bem refogadas, ficam ótimas.
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1 comentário:
É giro como se pode falar de amor , falando se simples corjetes!
O amor é tudo e tem a ver com tudo na vida.
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