terça-feira, julho 19, 2005
Terra-Pátria
1. Há uns anos li de Edgar Morin, num livro que tinha o titulo deste post a ideia de que precisamos de mundiólogos. Ou seja, pessoas que sejam capazes de pensar o mundo na sua globalidade. Lembro-me disso por causa de uma conversa sobre o terrorismo que ainda não acabou na minha cabeça, sobre como pensar este problema. Teresa de Sousa hoje no Público transpôe uma citação, e refiro de memória, de que os "terroristas não actuam por causa daquilo que fazemos, sim por aquilo que somos". Teresa de Sousa chamava a atenção para um facto muito importante: o chamado ocidente não é a maior vitima do terrorismo contemporâneo, muito especialmente daquele que provem do fudamentalismo islâmico. O atentado de sábado em Bagdad mais uma vez mostra isso.
2. É claro que nesta ideia de que "os terroristas não actuam por causa daquilo que fazemos mas sim por causa daquilo que somos" há um tortuoso jogo de raciocínio: nós não somos aquilo que fazemos mas aquilo que projectamos como nossa imagem de nós. O que é uma atitude que, à escala do mundo, releva de um grande etnocentrismo: em nenhum momento concedemos ao Outro esse privilégio. Os outros são aquilo que fazem e principalmente, aquilo que nos fazem .
3. Há um argumento que é muitas vezes conotado com uma atitude flácida a propósito deste problema: glosando a citação que referi, é como se os terroristas não actuassem por causa daquilo que fazem mas por causa daquilo que não podem ser. Para muitos este argumento para além da flacidez atinge o cúmulo da justificação e/ou desculpabilização. E tão rapidamente se apressam a negar o argunebto que não percebem uma evidência que muitos apregoam: que as pessoas só são do mal quando não podem ser do bem.
4. As pessoas só são do mal quando não podem ser do bem. E tanto é assim que a maior parte das pessoas que praticam o mal, praticam-no como se fizessem o bem. O terrorista que se levanta de manhã para ir matar mais de meia centena de pessoas na baixa londrina faz a barba ou lava a cara e enquanto olha o espelho não vê um demónio nem um bastardo. Vê-se a ele e gosta. Procura até uma ligeira perfeição dos gestos assassinos. Talvez confidencie, é preciso fazê-lo bem. Também há aqueles que fazem mal o bem. Mas esse é um tema que, por pôr em causa muita da nossa bondade, despoleta muitas crispações do nosso lado do mundo.
5. O grande problema do terrorismo não reside na dimensão dos mortos que provoca, na quantidade de bens que destrói, nem no aterrorizar das populações. Tudo isso é muito e o bastante mas não é o que caracteriza o problema do terrorismo. O que caracteriza o problema do terrorismo é que ele se tenta legitimar no local onde as nossas democracias ocidentais são ávidas de interesses seus. O que dá uma dimensão terrível ao fenómeno do terrorismo não é a força dos seus actos. Tratassem os media desse assunto como se não estivessem a contar uma narrativa permanente, e seria cada vez menos produtivo matar indiscriminadamente não só a população, também a própria vida quotidiana. O grande problema é outro e é o modo como hoje as democracias ocidentais estão profundamente desacreditadas. Esse é um problema que nenhuma estratégia de inscrição dos actos terroristas no campo da barbárie pode ocultar.
6. E não adianta esse jogo meio infantil de dizer que não há correlação entre o terrorismo e os problemas económicos, políticos e sociais do terceiro mundo. Se não há, que haja. Que se estabeleça. Que se pense. Porque quando dizemos que não há nenhuma relação é evidente que reforçamos a ligação existente mas ao mesmo tempo estamos a negar a nossa capacidade de a pensar. Os terroristas não representam ninguém, não têm legitimidade para se arrogarem a defensores daqueles que vivem no exílio na sua própria terra, mas o que é facto que o fazem e que ainda por cima evidenciam a nossa fraqueza.
7. E se os terroristas islâmicos não têm legitimidade para responderem pelos povos islâmicos que mais têm sofrido com a nossa concepção muito lata e abrangente de interesses vitais para o mundo ocidental, a verdade é que eles nos deixam desarmados, que nos empurram para a idiotia de argumentações fora do seu prazo de validade.
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3 comentários:
Pensei que era hoje que saía a minha crónica no JN... mas afinal é só para a semana. Bom, Já está escrita e digo isso que tu dizes, entre outras coisas com que não concordas... mas...
Elisa, por causa de um problema informatíco tive de estar a criar este texto online. está a menos de meio. muito menos. peço-te desculpa e a todos os que o lerem como texto que ainda não é. Fico curioso pela tua crónica do JN. Depois deste acabado aferiremos as concordâncias e discordâncias. obrigado
Sim senhor. Mas as discordâncias serão mais que as concordâncias. pas de problème, n'est ce pas?
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