quarta-feira, agosto 31, 2005
Amo-te, diz o amante
Amo-te, diz o amante. Amo-te, meu amor. E porque é que ele o diz? É ao dizê-lo que se torna um amante? Diz-se antes ou depois do amor? A linguagem é automática? Digo que amo. A linguagem, o que faz ela aqui nesta reserva de intimidade? Vem adiantada ou atrasada? Estavam à sua espera? Ficaria diminuido o amor se o amante não dissesse, amo-te? Vem assim a palavra completar algo?
[não tenho nada contra a palavra. seria incongruente, não existo aqui convosco senão entre, por causa e através das palavras. posso fazer a ficção das realidades que me aprouver que não me liberto, aqui, deste dispositivo linguístico]
E porque é que o repito incessantemente? Já reparei, não é sempre da mesma forma que o digo. Umas vezes insurjo-me contra o silêncio. Outras vezes é tal a força do corpo que tenho a ilusão de que com uma palavra, com uma simples palavra, suspenderei a retórica e instalarei o silêncio.
Nunca entendi a parcimónia com que é utilizada esta palavra. Há talvez diferentes modos de viver a linguagem. Para mim dizer é abrir uma frente de batalha. É projectar-me lá, no lugar onde, sei, nunca chegarei. Se não o disser, nem a ilusão do ir poderei compartilhar. Sejamos claros. O amor talvez não exista senão em projecto, em devir intenso inundando de desejo a cobra, a maçã. Também não acredito no amor. Confio nele, confio-lhe toda a minha vida se puder, e será uma vida merecida a que se entrega e confia aos gestos e nuances amorosas, mas o amor não existe como coisa real por dentro e por fora.
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1 comentário:
bem visto. muito bonito.
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