sábado, agosto 20, 2005
Memórias de um Ascensorista
[Entraram os dois juntos. Como todos os dias. Na sub-cave. Vieram do parque de estacionamento dos automóveis. .]
Hás-de reparar - disse-lhe o espelho enquanto ele se olhava com insistência - hás-de reparar que, para mim, onde pareces bonito é no lugar da tua fealdade. E de onde te vês vulgar é daí que eu retiro os pontos de luz que te dizem bonito. Pudesses tu conhecer-te como eu te conheço, Roberto.
Roberto - Quero contar-me.
Clara - Já não estás a falar com o teu espelho, Roberto.
Roberto - Gostava de contar-me.
Clara - Nota-se.
Roberto - Um dia eu vou perceber o que é esta merda que trago no peito.
Clara - Seres vulgar não te adianta nada.
Roberto - Só tu.
Clara - Isso, atira-te a mim.
Roberto - Eu não me estou a atirar a ti.
Clara - Estás. Estás sempre a atirar-te a mim.
Roberto - Quero-te comer.
Clara - Não desconverses.
Roberto - Eu não estou a desconversar.
Clara - Tu não sabes fazer outra coisa, Roberto.
Roberto - Como é que sabes o meu nome?
Clara - Eu não disse?
Roberto - És a única pessoa deste mundo que me consegues pôr mal disposto entre o rés do chão e um sétimo andar.
Clara - Nós entrámos na sub-cave.
Roberto - Não importa.
Clara - Para ti nada é importante.
Roberto - Porque é que nos casámos, lembras-te?
Clara - Não. Desculpa.
Roberto - Em que dia foi?
Clara - Não me lembro também. É importante para ti?
Roberto - É.
Clara - Dizes isso para me irritar. Nunca é importante. Tu até te esqueces do dia dos meus anos. Mas como me irritaste e pressentiste que com o enervamente eu iria baralhar-me, zás, tinhas de agarrar a oportunidade.
Roberto - O dia não é importante. A razão é.
Clara - É?
[Saem os dois furiosos em direcção à suite. Como todos os dias]
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