sábado, setembro 17, 2005

Dicionário do Silêncio: Medo

subs. paralisante Maria Fadiga tinha uma mania. Energia granulada e concentrada. Viver tudo num só dia. Melhor, viver sempre todos os dias. Tal decisão semi-consciente trazia-lhe vários problemas, o principal dos quais se resumia na questão: como experimentar todas as realidades alternativas e paralelas sem verdadeiramente abdicar de nenhuma delas? Pois pasme-se o leitor, Maria Fadiga conseguia. À custa de horas de sono, à custa de conformidades sociais, espantando todos perante as suas escolhas, Maria lá ia. Mas a escolha não era ela, e ela não queria escolher. Perante a beleza que dói, a beleza que se revê nos outros sem perceber o quanto contamina, Maria Fadiga emudecia. E calada encontrava o maior medo de todos, e calada permanecia porque julgando-se sozinha, via ao lado dos seus passos um outro rasto. Silêncio escavado? Sempre que se sentia à beira da entrega, Maria Fadiga previa a perda. Melhor partir para uma realidade alternativa, decidia. E percebia a razão do seu nome: não há maior cansaço do que a morte anunciada. De um beijo. De um mundo. De uma praia. De nós.

4 comentários:

maresia disse...

onde foi que me viste, a correr da vida antes que a morte a apanhe?

Anónimo disse...

Maria Fadiga que nasceu para perder.
Para ter medo.
Por medo.
Pena.

mfc disse...

Há um pouco de Maria Fadiga em todos nós... mas há que ser irreverente e olhar a vida nos olhos!
Bem sei que há quem o queira fazer e não possa... desses tenho verdadeira pena.

Lyra disse...

parabéns por este texto. Muito bem conseguido.