segunda-feira, setembro 26, 2005
Filantropia.1969.Mafra
Verão de 1969, rua Domingos Machado, em Mafra, à beirinha do Hospital. O meu irmão mais velho vai buscar leite e pão e dá aos gatos vadios da rua. Descobre que a tarefa é maior e vai buscar reforços. Na altura não havia a AMI nem os Médicos do Mundo. Era o salve-se quem puder no mundo. Nós gozávamos com o João. Mariquinhas pé de salsa, a fazer coisas de meninas, anda jogar pá, tudo tentámos. O meu irmão era muito preciocista e andou uma tarde inteira naquilo. Num terceiro andar de um dos prédios do meio, um casal de velhotes observava tudo comovido. Soubemos depois. Chamaram o meu irmão. Deram-lhe cinco escudos, uma moeda branca e um pacote dos grandes de caramelos espanhóis. Cinco escudos era na altura dez vezes a nossa semanada. E os pacotes de caramelos espanhóis derretiam-se na boca. No dia seguinte, em frente à casa desta casal de velhotes, e enquanto o meu irmão João fazia caretas medonhas para mastigar os caramelos espanhóis, uma multidão de miúdos filantrópicos, entre os quais me contava, passearam-se pelas obras em frente procurando,
bichano, bichano lindo, anda cá,
enquanto olhávamos para cima, para os dois velhotes, que já não sorriam,
riam.
Ainda repetimos a dose no dia seguinte, mas ao terceiro suspendemos as buscas e voltámos para as brincadeiras antigas. Alguns de nós aprenderam algo que lhes ficou para a vida.
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