quinta-feira, setembro 29, 2005
O Vizinho de baixo
Começámos a falar logo que eu vim morar para aqui. Ainda não habituado a estreiteza do espaço e do varão da roupa, deixei cair uma peça de roupa na sua corda. Mostrou-me a casa. A sua mezzarine. Cada casa aqui tem a sua e cada uma com sua peculiaridade. O meu vizinho tem 83 anos. Ninguém me dá pois não?, pergunta ele contente e orgulhoso. Paga mais de duas centenas de contos para um lar onde a sua esposa está internada. Sem memória. Uma trombose. Ela é mais nova do que ele, mas está tão gasta, havia de a ver. Sempre que nos cruzamos dou-lhe os bons dias e estaco o passo, fazendo um pausa. Damo-nos em silêncios. Depois, porque sou um desmemoriado, porque me esqueço, pergunto-lhe pela mulher. Dessa já não há novidades, já nem se lembra de mim.
Desço as escadas e tento perceber o drama do esquecimento. Uma vida inteira, filhos, uma razão de viver para terminar assim, no esquecimento. Eu pergunto-lhe, olha lá, quem é o teu marido, quem é?, e ela ri-se, abanando os ombros.
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