sábado, setembro 10, 2005

Por Soares contra Sócrates

Tenho alguma dificuldade em falar sobre a candidatura de Mário Soares. Porque continuo a dizer, Soares tem todo o direito de ser candidato. E não tenho dúvidas, a esticar os suspensórios, em cima de um elefante, com havaianas ou a beijar as peixeiras deste lindo Portugal, Soares será sempre fixe. O problema é do enquadramento político em que ele surge e que por isso promove. Escrevi aqui que Cavaco e Silva sem o papão do cavaquismo é candidato pouco temível. Da mesma forma que os ingleses já não discutem a Rainha de Inglaterra nós também já consensualizámos um Presidente da República com alguma capacidade de gerir e gerar diálogos. Ora Cavaco está interiorizado em nós como um tipo que é capaz de se sujeitar a uma figura ridicula de enfiar uma fatia de bolo-rei na boca só para não responder a um jornalista e ficar ali depois a espumar baba e farinha como se todos os outros é que estivessem mal na photomaton. Por maioria de razão é forçoso reconhecer que a candidatura de Mário Soares sem o papão do regresso de Cavaco e Silva não seria senão uma notícia para um fait-divers numa faixa da secção de política de um jornal qualquer ou um garrafal destaque no Inimigo Público. Ora é preciso dizer com a máxima clareza possível: o tabu da candidatura de Cavaco e Silva está a organizar todas as chamadas candidaturas de esquerda. E digo chamadas candidaturas de esquerda porque é de uma evidência confrangedora concluir que neste caso toda a dita esquerda tem um discurso conservador, retrógrado, imbecializante. É um pesadelo político mas é a realidade: todas as candidaturas até agora definidas, - exceptuo, por desconhecimento, a de uma anónima e distinta candidata que nunca é referida - representam um Portugal pequenino, tacanho e atarracado, vaidoso, provinciano, que se justifica pela negativa, ou melhor, neste caso pior, que por se apresentar em contra mão se julga dispensado de se definir. Jerónimo de Sousa é ridiculo ao falar da sua candidatura na primeira pessoa do plural, a candidatura dos comunistas portugueses e ao falar dela como a verdadeira candidatura contra Cavaco e Silva, um homem que ainda não é candidato. Destrói o seu capital de seriedade alguém que se candidata a um cargo apenas para que o seu partido tenha um espaço de afirmação na arena política. Haverá decerto no universo próximo ao Partido Comunista muitas personalidades que poderiam ser excelentíssimos candidatos ao cargo de Presidente da República. Até o próprio Jerónimo de Sousa. Tudo seria melhor do que assistirmos à triste candidatura do secretário-geral do PCP. Louçã é um tipo inteligente e bem formado, sensato mas é um absurdo candidatar-se a um cargo que implica representar uma imensa maioria com a qual ele não se identifica. Desde o tristemente célebre episódio dos votos de Dona Maria que se percebe que a única coisa que une Francisco Louçã ao Portugal médio é a sua desmedida ambição política. Para além disso, Louçã replica o comportamento pouco sério dos comunistas portugueses: alguém acredita que ele queira ser Presidente da República? Cavaco e Silva, se estes anos de travessia no deserto lhe tiverem dado alguma inteligência política, fará a grande jogada da sua vida se não se candidatar. Na pré-campanha o candidato tabu ganhou com maioria absoluta. Pode guardar os recortes dos jornais que nunca leu e, como se não houvesse day after, sonhar que foi o Presidente de todos nós. Porque, como é natural, se este jogo perverso dos partidos se mantiver até à boca das urnas e não surgir nenhum candidato independente em quem TODOS NÓS possamos votar neste regresso ao passado só vejo um voto possível: Mário Soares. É que não seria por ter sido um mau primeiro ministro que Cavaco e Silva seria um péssimo Presidente. Mário Soares é a demonstração viva do teorema da não correspondência directa entre os dois cargos. É porque o homem é mesmo mau político. Está-lhe na massa do sangue o desprezo maior pela política. E pior do que uma calamidade, e é uma calamidade pública quererem à viva força fazer-nos regressar aos anos do Cavaquismo, seriam duas calamidades: regressarmos impondo o herói errado. O que seria além do mais um presente ao verdadeiro infractor desta campanha, José Sócrates, que sem dúvida coabitaria muito melhor com Cavaco e Silva do que com Mário Soares. É um paradoxo, um absurdo, mas se D. Sebastião não vier aí, envolto numa névoa republicana votarei em Mário Soares não contra Cavaco mas contra José Sócrates. O que é também claramente um voto contra Mário Soares. Contra uma ideia de política que diminui, na prática, a qualidade da nossa democracia.

1 comentário:

Anónimo disse...

Penso que este "interiorizado em nós" é demasiado assertivo, no contexto das mentalidades nacionais que tão bem define.
A representação deste terrível vácuo político é premonitório do que será o futuro.
O problema que tão inteligentemente desenvolve "usurpa-o", à maneira como Heidegger define a questão metafísica: nenhuma questão metafísica pode ser proposta sem que o proponente deixe de envolver-se, a si mesmo, nessa questão.
Mas pode resolver-se o paradoxo de outra forma: já imaginou se votássemos todos em branco?