sexta-feira, novembro 11, 2005
Madrid - Lisboa
As oito horas de viagem do Hotel Lusitânia souberam-me a exactidão. Ao tempo exacto de sair de um passe de mágica que por vezes ainda sou, ainda consigo ser. Eu pensava, porque assim me ensinaram, que o amor - e falo do amor que um homem dedica a uma mulher, e estou a referir-me a um homem que na sua liberdade se consagrou a uma mulher - escondia uma face de pedra: que podia ser em alguns casos uma espécie de morte assistida para o mundo. Aprecio o som truado do comboio mastigando lentamente o caminho. Ajuda-me a pensar. Um pensamento quase no limite da abstracção. O tempo a passar pelo pensamento. E não é assim, não há pedra, mármore, granito, cristal algum no acto de um amor dedicado. Não morre o mundo num homem enamorado. Penso até quase-o-contrário : que só um homem mordido pelo enamoramento pode estar disponível para apreciar o mundo na sua incrivel extensão e beleza. E quando falo do mundo falo de tudo: dos lugares de pedra e dos lugares de sangue. O drama de tudo isto é a possivel perda da exactidão do sentir: habituamo-nos primeiro a não nos tocarmos com os lugares humanos e depois acabamos por perder a própria sensibilidade e o tacto. Até para quem está ao nosso lado. Lembro-me que adormeci como uma criança, despedindo-me dessa estranha e leve sensação de ser um cavalo negro passeando pela Calle San Jerónimo. Pareceu-me bem, pareceu-me bem demais a vida assim. O mundo em que vivemos ainda concede alguma justiça à nossa humanidade ao dispensar a amizade do uso de preservativo.E quando acordei, eram umas sete e pouco da manhã, enquanto disfrutava daquele nascer do sol magnífico sobre a planície, todo eu era futuro, todo eu me antevia num reencontro no cais de santa apolónia.
Todo eu na vida que escolhi; que me escolheu.
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