sábado, dezembro 17, 2005

Atrasei-me Jaime

Atravessei a cidade toda para ir ter com a tua morte, Jaime. Gastei uma fortuna no taxi, enervei-me, estraguei o render de um taxista reformado que não aguentou três dias em casa, na rua, a jogar à sueca, à bisca lambida, e se veio meter novamente no burburinho de uma cidade em dia de sexta feira de Natal, e enquanto não chegava ao Cemitério dos Olivais eu bem pensava, que falta de respeito atrasar-me para a tua morte, o que pensarás de mim, quem disse que a morte não é urgente não sabe o que é morrer e se um gajo não sabe o que é morrer como é que pode aspirar a poder um dia, num delírio, saber viver, eu queria encontrar-te, não a ti, não sou mórbido, nunca fui, não tenho especial gosto em olhar o rosto inerte, branco, pálido, tenho pena de me ter atrasado, queria ter abraçado a tua filha, ela ainda me saberia fazer recordar todos os momentos em que me ensinaste a ser simples, Jaime, eu nunca te disse, mas muitas vezes ia ter contigo só para que tu me dissesses que eu era simples, eu gostava de ser simples nas tuas palavras, assim é que é, um gajo sem caganças, dizias, eu ficava todo orgulhoso, era um miúdo mas gostava, não sei se gostava verdadeiramente das pessoas simples, não sei, não sei se aquilo que me apaixonava não era antes a ideia da simplicidade a pairar sobre a vida da gente, atrasei-me Jaime, queria encontrar-te no abraço à Conceição, a São, como eu tinha inveja da vossa casa, Jaime, do Pedro e da São, da amizade, da cumplicidade, ainda hoje quando vejo dois irmãos verdadeiros, ou a verdade entre dois irmãos é a eles que vejo. E a ti também. Gostava tanto de te ver a namorar com a Maria Joana, vocês eram lindos os dois, lindos e trapalhões. Como eu gostava de ir a vossa casa. Já passou algum tempo. A casa ficou vazia. E eu a perguntar-me, de quem é a casa que se esvaziou, Jaime?

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