sexta-feira, janeiro 13, 2006
Do lado de lá é o grau zero da cultura
Há limites. Tinha pensado manter-me numa posição de reserva em relação à eventual nomeação do Carlos Fragateiro para Director do Teatro D. Maria II. Porque sou seu amigo há quase vinte anos. Porque sou da Direcção da Associação Portuguesa de Dramaturgos e Argumentistas e é nesse quadro que me interessa reflectir quer sobre o burburinho criado em torno do seu projecto, quer sobre este projecto em si, quando o conhecer. Porque trabalho no teatro onde ele dirige e, como escrevi num comentário em o melhor anjo, sei que vivemos num pais de canalhas e há quem extraia de qualquer um de nós a inevitável certidão de canalhice ( mesmo sabendo que para quem me conhece isso não tem uma correlação e implicação lógica, até porque sabem que me orgulho de a minha longa amizade com Fragateiro ter sido temperada por tensões que considerei indispensáveis).
Mas quando ouço as declarações de Zita Seabra na interpelação à Ministra da Cultura, não posso deixar de me sentir incomodado por não escrever neste blogue duas ou três coisas que considero fundamentais sobre este caso. Porque o mínimo denominador da Cultura é o ser humano, a sua dignidade, a sua história, a sua acção.
Não quero com o meu silêncio ajudar á festa.
Em primeiro lugar porque sei que Carlos Fragateiro é totalmente genuíno e coerente quando fala da Dramaturgia Portuguesa. Foi-o no TELA (Teatro Experimental de Leiria), quando a par com Garrett, Gil Vicente, Miguel Franco, tentou levar para a frente um projecto sobre a dramaturgia portuguesa que iria envolver autores como António Cabrita e Fernando Dacosta. Ou a realização de textos colectivos com Luís Mourão e outros. Foi-o na Efémero, quando lançou o projecto Fronteiras, atelier de escrita com Daniel Simon, que levou á publicação dos textos (seleccionados para apoio à edição por parte do IPLB) e à leitura dos mesmos, naquele que foi um dos primeiros projectos assumidamente empenhados no desenvolvimento da dramaturgia portuguesa desenvolvidos a nível dos grupos ou de associações ( como o tinha sido o da Convenção Teatral Europeia e o foram, com muito mais apoio e eficácia, os Artistas Unidos) Foi-o na diversidade das intervenções que tem feito desde há mais de vinte anos sobre este assunto. Foi-o no Teatro da Trindade, onde tentou levar vários projectos a cabo como dedicar a Sala Estúdio exclusivamente a textos de autores contemporâneos, criação de um Fórum de Dramaturgia, Ateliers de Experimentação como aquele que deu origem ao espectáculo dirigido por Rogério de Carvalho, A Fronteira, no primeiro Estágio Internacional de Actores Lusófonos, em parceria com a Cena Lusófona e com a Expo 98. Ou produzindo espectáculos como o Magnifico Reitor ( e toda a gente sabe o que penso do primeiro texto, tanto que recusei colaborar na equipa de dramaturgia do mesmo) e o Navio dos Rebeldes de Margarida Fonseca Santos . Não conheço ninguém que tão reiteradamente tenha feito da escrita teatral uma prioridade política. Fragateiro, como muitos daqueles que estiveram implicados no movimento de expressão dramática, têm uma absoluta necessidade de implicação e vinculação da arte teatral á realidade.
O que atrás escrevi só releva uma coisa: Fragateiro tem tido uma actuação diferente em relação às estratégias para o desenvolvimento da dramaturgia portuguesa consoante os diversos locais onde a defende; seja em grupos, no INATEL ou no Teatro da Trindade. Toda a gente tem o direito a (des) esperar o pior do que ele pode fazer no D. Maria II. Mas é uma pulhice que coloca a cultura no seu grau zero depreciar estas informações, valorizando apenas as graçolas do Jorge. Insisto, porque há tanta gente a ver os outros pela sua bitola, que a mim tanto se me dá ( no sentido de ter algum ganho pessoal) que seja Lagarto ou Fragateiro. Tenho, desde há alguns poucos anos, principalmente desde que me nasceu o meu filho, uma visão absolutamente radical sobre o poder: só és um tipo realmente poderoso quando podes dispôr do teu tempo para o dares aos teus melhores afectos (pessoas, lugares, projectos).
O que não se me dá igual é ver tanta canalhice andar á solta. E é por isso que eu desejo o melhor à dupla Carlos Fragateiro e José Manuel Castanheira .
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