quinta-feira, fevereiro 09, 2006

A minha posição

Nos últimos dias voltei a uma actividade que há muito não tinha. Li e comentei por aqui e por ali, a propósito da guerra dos cartoons. Confesso que nunca me senti muito cómodo na minha posição. O CBS num comentário disse-me que o mais importante era, independentemente das razões que perfilhamos, estarmos em paz connosco próprios. Eu não lhe respondi. Também escrevi isto muitas vezes, aos quinze, aos vinte e cinco anos. Quando escrevia textos introspectivos. Já percebo, e percebo-o agora enquanto escrevo, e é por isso que me é absolutamente vital estar aqui, que deixei de escrever textos introspectivos porque deixei de ter paz dentro de mim. Um dia escreverei aqui sobre essa tranquilidade perdida. Não, não foi por causa disso que deixei de escrever textos virados para dentro. Foi porque deixei de acreditar que a escrita me pudesse fazer tornar a essa paz. É por isso que eu gosto de ver o CBS a escrever estas coisas. Afinal o problema não é da idade, como cheguei a pensar. Sou eu mesmo. É por isso também que me arrepiou mais o Morpheu a dizer que concordava totalmente comigo do que o Luís a mandar-me descansar o pensamento. Nestes dias deixei de saber a quem contar os meus desejos de um mundo menos violento. O pensamento musculado não faz o meu género. E aí eu percebi, ao ir à Natureza, à Origem das Espécies, ao Blasfémias, a essa magnífica Estrada onde li o mais incompreensível dos manifestos que eu poderia esperar de pessoas como o Rui Bebiano (a quem admiro, desde os principios da minha net, através do NON, a inteligência)que o pensamento poderia estar com os dias contados. Pensar ou chorar de mansinho seria exactamente a mesma coisa, cheguei a temer. A Blogos poderia ser uma merda, uma forma de fazermos circular bosta de boi emoldurada em pergaminhos tingidos pela (in) tolerância das Luzes. Não se imagine a minha dor. O meu primeiro livro de ideias foi o Contrato Social do Rousseau. Se eu não estava com aqueles que defendiam o Século das Luzes não estaria com nada, nem com ninguém. Estaria morto. Só quando cheguei ao Bruno do Avatares e encontrei um silêncio não pronunciador percebi que neste ocaso haveria uma casa também para mim. Quatro paredes debruadas a mar e a essa vontade de rasgar no outro o principio de uma empatia que, simultaneamente, nos devolverá, é essa a minha crença, a identidade. Necessito de ter uma casa, uma casa onde possa receber os meus amigos. Onde possa beber chá a desoras e ficar a perturbar-me com a inquietude do fio de horizonte a transformar as nossas vidas em pequenos pedaços de vento. Um lugar onde eu possa abrir uma janela sobre um mundo que me abre o chão de espanto. Amanhã tudo isto vai ser mais claro. É essa a minha esperança. Amanhã irá ser mais claro que ainda é possível viver neste mundo e que é possível fazê-lo sem medo. Ainda não chegou o tempo, de, pelo eclipse do pensamento, nos rendermos ao pensamento totalitário. Nem que seja o nosso.

10 comentários:

Mónica (em Campanhã) disse...

sem concordar exactamente, haja sempre uma discordância que o faça escrever assim. venho a este blog porque consigo viajar à boleia nas suas palavras - por lugares onde nunca chegaria só com as minhas.

Mónica (em Campanhã) disse...

ps: bem haja

-X- disse...

Não sei se fui totalmente explícito no meu post mas nunca em parte alguma me passou pela mente a imposição do pensamento totalitário ou a destruição da liberdade de expressão. Simplesmente acho que a ninguém assiste o direito de usar a liberdade de expressão como forma de injuriar ou ofender gratuitamente outrem; acho que bom senso e responsabilidade são simplesmente algo que deve estar sempre presente que quem usa armas tão poderosas como as palavras e/ou as imagens; no entanto colocar algo em causa como um dogma religioso já não me repugna porque não tendo a ofensa como fim tem antes a discussão de ideias, concordemos ou não com elas, (sou fã do princípio de que da discussão nasce a luz) e isso só pode ser bom.
Face aos ditos cartoons e ao editorial que acompanhava os mesmos tanto se me faz que tivessem sido publicados em Setembro ou que o tivessem sido agora e sobre quem quer que fossem, não iria modificar a minha opinião sobre isto: no fim o que está em causa é a intenção não os visados em concreto. Igualmente não posso concordar com o radicalismo por parte de alguns lideres religiosos islâmicos que tentaram usar os mesmos cartoons para incitar à violência contra cidadãos ou embaixadas dos países nos quais foram publicados os cartoons em causa, nem com a violência que acabou por existir, infelizmente até com mortes que só se podem classificar de absurdas; a indignação pode existir mas nunca deve assentar na violência. Nem concordo as opiniões de muitos que tomam uma parte pelo todo e acabam a acusar todos os muçulmanos pelos males de uns, não tendo todavia qualquer pejo em não colocar em causa as ditaduras islâmicas mantidas pelo apoio do mesmo Ocidente em troco do petróleo enquanto o povo é oprimido.
Se o amanhã vai ser mais claro só depende da tolerância mútua e do mesmo uso do respeito em função da existência alheia. Radicalismos da parte de quem quer que seja só podem conduzir a dias obscuros e a uma vivência no medo. Eu comungo todavia dessa esperança que tu tens de que é possível viver o amanhã sem medo, sem qualquer tipo de totalitarismo.

cbs disse...

"Quatro paredes debruadas a mar e a essa vontade de rasgar no outro o principio de uma empatia que, simultaneamente, nos devolverá, é essa a minha crença, a identidade."

gosto de te ler Jpn

cbs disse...

"Amanhã irá ser mais claro...
Ainda não chegou o tempo, de, pelo eclipse do pensamento, nos rendermos ao pensamento totalitário."

Discordo, lamento mas não vejo o amanhã mais claro, parece-me ver é a gigantesca vaga a formar-se, outra daquelas que nos afogaram em 1914 e 39.
Daquelas que matam o pensamento até ao amago da alma.

cbs disse...

"Nem concordo as opiniões de muitos que tomam uma parte pelo todo e acabam a acusar todos os muçulmanos pelos males de uns..."

Morpheu, só acuso os chefes, os que tem o poder nas maos.
Os povos são moldáveis pelas intolerancias, pelos dogmas.

E não nego que os temos e que todos os valores o são (penso na liberdade);
mas existiu algo no Ocidente que parece faltar no Oriente: o espirito crítico, o pormo-nos em causa a nós própios.

E existem apostolos da razão no mundo Árabe (não digo Islão), estão é entalados entre a Modernidade e o Corão ortodoxo; e porque a Modernidade é a cultura dos colonizadores, acusam-nos de traição, calam-nos pelo medo.

Busco compreender, Morpheu... e vejo uma realidade muito pouco auspiciosa.
Curiosamente, e diferente do Jpn, sinto uma certa paz, mas parece-me apenas a calma que precede a tempestade, o vagalhão que se está a formar...

JPN disse...

foste claro, sem dúvida que foste Morpheu. e quanto a ti CBS, o património de nos colocarmos em causa não é nosso. é do oriente que nos vem. não do Corão, que dele desconhecemos tanto, mas de outras religiões. e também temos as nossas cristalizações do pensamento.

cbs disse...

O criticismo (difere do cepticismo) é a atitude que duvida de todo conhecimento que não tenha sido submetido a uma crítica de seus fundamentos e foi talvez a grande base daquilo a que se chama Modernidade.
Em sentido estricto refere-se ao Criticismo Kantiano que se coloca entre o cepticismo e o dogmatismo, no séc. XIX.

Jpn, não conheço (mas estou aberto a isso) Critismo a Oriente.
A não ser que seja à parte Oriental da Prússia, que te referes ;)

JPN disse...

não falei de teoria critica. disse apenas que não detemos o património de nos colocarmos em causa. falei-te de outras religiões. outros perspectivas filosóficas. como negar em religiões como o budismo um profundo e intenso trabalho de desconstrução/construção que é, de todos os pontos de vista, um pôr em causa da atitude e do modo de estar do sujeito? não adoptámos nós a ocidente muito desse profundo trabalho de remodelação do homem? E o homem que se remodela, que se restrutura não é um homem que se coloca em causa? Era disso que falava. Abç

cbs disse...

Aceito a referencia ao Budismo, mas não era de todo esse questionar que eu referia, como percebeste.

A minha tese (que sei eu?) é que o criticismo como método de permanentemente colocar a dúvida, leva primeiro a Lutero e depois à separação entre a religião e o estado.
E aí residiu uma das forças que levou à Modernidade ocidental.
Mesmo assim, mais a Norte que a Sul, porque o Catolicismo resistiu sempre.

No mundo àrabe, adormecido pelo jugo Otomano, após um grande desenvolvimento inicial, as águas não chegaram a separar-se.
Apesar do "Renascimento" do séc. XX, que deu lugar por exemplo ao partido Baas na Siria e Iraque.
Mas volta agora tudo atrás...

Jpn, apenas tento explicar (que sei eu?), evito afirmar como sabes
:)Abraço