sábado, abril 29, 2006
Sessão de autógrafos
Enterrou-se o rapaz e, com a mesma pá, desenterrou-se gente de esperanças pequenas. No dia do enterro, o mundo entrou de rompante na aldeia, que se defendeu da investida argumentando que ninguém tem culpa de gostar de televisão. A igreja cumpriu o que se espera dela, fechou as portas aos autógrafos. Mas encheu-se de eleitos, escolhidos a dedo para celebrar a morte trágica de uma personagem de ficção. A vida tem destas coisas, já não se ouve falar do morto. Mas a imagem ainda serve para ilustrar temas de jornais. E serve bem, porque é uma declaração de audácia, um gancho perfeito para uma história perfeita. Depois, no fundo, percebe-se que não serve para nada, porque a morte dá nisto, reduz quase tudo ao seu real significado. E a imagem do rapaz começa a dizer cada vez menos, em breve começará a vender cada vez menos, e depois, um dia, já nem será reconhecida pela maioria nas bancas. Tudo passa, é o que se diz na aldeia. Eu, que senti vergonha quando subi ao cemitério, sei que isto em mim não passa. Ficou gravado.
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