quarta-feira, maio 24, 2006

Quarto com Janela

Na Almirante Reis encontro um engraxador. Há muito que não engraxo os sapatos. Vantagens na informalidade, ténis e afins não precisam desses mimos. Mas no meio do trânsito, do barulho dos carros, das pessoas, dá um certo prazer relaxar e sentir que alguém nos mexe nos pés. É o SPA dos pobres. Este homem quer ir para França. Cá ganha 67 contos, mais dez de uma associação de solidariedade e mais o jantar que não paga, no restaurante do lado. Antes ía à sopa dos pobres, do outro lado do passeio mas agora prefere ir comer no restaurante ao lado. Eram só bêbados, e agora que o médico lhe tinha proibido a pinga estava a ficar farto de aturar a bebedeira dos outros. Nunca lhe puseram a conta em cima da mesa. Ten 67 anos, tantos como os contos de reforma. Paga cinquenta contos de quarto. Um quarto com janela. Roupa lavada, banhos, possibilidade de cozinhar em casa. E a janela, há-de repetir-me mais vezes. Em França tem o irmão, reformado, a ganhar de dois em dois meses aquilo que ele não ganha num ano. Pergunta-me, acha que faça canja hoje? Digo-lhe que sim, enquanto vejo a notícia que China, o empresário amigo de Futre, emagreceu cem quilos. Foi ele que me passou a revista para a mão. Não deixa de ser curioso que as revistas socialite sejam lidas assim, nos empedrados, na rua, pelos humildes. É que se eu fizer uma canja, levo daqui uma sandes e estou aviado, entende?

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