domingo, julho 02, 2006
espectadores
A P.
se uns pés dançam num soalho nú e o tecto é fino. pouco espesso, sem betão ou ferro.
podem ouvir-se passos.
as volutas os rodopios apertados e quando um corpo cai no chão.
um corpo só do tamanho de um nada.
como um copo e o momento em que conhece a superfíce.
todos esperam por esse momento.
a tragédia. estilhaços. nós. o ressalto. o alívio.
cacos ou um novo embate mais pequeno e depois outro. até parar.
e se não é um copo e é alguém.
os outros olham.
com os mesmos olhos de gente com que olham o copo.
de vidro. nós.
olhos de vidro copo de vidro corpo de vidro sobre o chão transparente.
todos olham para cima.
se o corpo cair não esperem ressalto.
através do vidro.
alguém que dança. o pé sustém o corpo, livre. muito livre para quem dança.
o momento em que declina a gravidade e se torna parte de um mundo sem leis.
esse momento exacto
podíamos fotografar esse momento.
podíamos, não podíamos?
se é deus que desafia a gravidade
podemos fazer tudo
o momento em que o corpo nú se lança no chão de vidro que é o nosso tecto.
voa em cima do céu, como se voasse.
por sobre as nuvens da casa e os pensamentos antigos,
que não foram pensados mais que uma vez.
vão ser estrelas.
para mim são estrelas e para ti?
as estrelas são de hoje, rapaz?
só se forem frescas
ouço-te dizer
muitas estrelas é o que é preciso para esse espectáculo.
penso. a lua do tamanho da lua connosco lá perto
a textura da lua como a textura da lua através do vidro
transparente e miraculosa
para dormir as estrelas desligam-se
parecem-te de costas mas estão só a dormir
fecho os olhos e uma promessa de embate. o corpo
tu não sei
como tens os olhos de vidro,
não os tive
não os vejo
eu também tenho esse olhos
contudo não os vejo
o corpo, corpo que dança mesmo
por cima de nós
como se de um palco derradeiro
descolasse
se não fechar os olhos não os fecho
e então não é preciso imaginar
a verdade está ali,
com os perversos
em
todos
os olhos
humanos
cacos ou
um corpo salvo a dançar nú em cima de um tecto de vidro
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