sexta-feira, agosto 18, 2006

Da democracia virtual

"(.../...)A doença da mensagem pode ser devastadora. Deixou de haver uma forma de soberania que controle eficazmente a sua marioneta. Já não há um único dedo do político que possa atravessar incólume o ecrã neutralizador. A confusão dos partidos, dos movimentos, dos responsáveis, face ao desaire provocado pela sociedade civil, leva-os a agarrarem-se a um segundo contra-senso. Uma vez que a massa não admite no espelho outra coisa a não ser a sua própria imagem, lança-se para a mesa o joker das personalidades ditas "da sociedade civil", que supostamente constituem a resposta da ordem política à situação. Considera-se que este desvio, frequentemente denunciado como um ressurgimento da política e da demagogia, conduz ao poder terríveis emanações da vulgaridade. Mas mesmo que tal ocorra, não será por isso que a tirania se vai instalar. Pelo contrário, ela cede o lugar a um grau superior da neutralização do poder e das instituições. Este paradoxo traduz bem o contra-senso em que correntemente caem os analistas: essas famosas "personalidades civis", tidas como reconstrutoras do diálogo com o povo, não se revelam como portadoras de qualquer mensagem oriunda do politico e destinada aos eleitores. Ao invés, afirmam-se como a resposta que a sociedade civil destina aos políticos para lhes assinalar a sua ineficácia. A partir daí, cada corrente da representação colectiva é duplicada pelo seu "neutralizador civil", obrigando uns e outros a alianças contranatura, completando o panorama da barafunda ideológica. (.../...)
Lido em "A Democracia Virtual" de Léo Scheer, Biblioteca do Pensamento Contemporâneo, Século XXI, 1997, Lisboa. O bold é meu.

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