quarta-feira, agosto 16, 2006

A destruição que os bombardeamentos israelitas fizeram nas cidades libanesas é dificil de avaliar. Nisso os bombardeamentos israelitas serão muito semelhantes a todos os outros, os que os antecederam, os que lhes sucederão. Destroiem as casas, atafulham as ruas de escombros, de corpos feridos e mortos e deitam também por terra a forma como as pessoas vivem, a vida que as pessoas tinham, a amabilidade que as possuía.
A amabilidade tem um valor inestimável para a saúde das nossas sociedades e da vida que levamos.
Por mais que se entesem algumas línguas na procura de um método idóneo de contar os mortos, a devastação é muito maior que a estatística. Quando o retomar da arquitectura das cidades vier com os seus buldozers, os seus catrapilas, os seus engenheiros civis, iremos perceber mais uma vez que não existe inocência neste mundo. A indústria da guerra é uma aliada firme e cúmplice da do cimento e do betão, da gravilha e do saibro.
A essa destruição, a mensurável e a imensurável, soma-se uma outra, quase inexpugnável: o rombo que estes bombardeamentos podem provocar na credibilidade das nossas democracias é tal que é necessário trabalhos redobrados para enfrentar a erosão. Por uma feliz circunstância o uso pelos nossos Estados de violência desporporcionada fragiliza e vulnerabiliza os regimes politicos que nos governam. É certo que a Europa tem seguido com preocupação a situação e que tem até chamado a atenção para a desmedida israelita, mas isso não altera o essencial: para muitos de nós Israel é - numa zona onde o extremismo rende cada vez mais na sua temível aliança entre o político e o religioso - o país que se parece mais com os nossos países. Eles parecem-se connosco e nós parecemo-nos com eles. Eles parecem-se tanto connosco que até quando massacram e subjugam o fazem pela única razão que a nossa consciência democrática pode validar: o medo tornado terror, paranóia.
Israel tornou-se no maior condomínio fechado do Médio Oriente e até nisso, enquanto antecipação do mundo que nos espera, é próximo da forma como nos representamos e projectamos. Não estaremos muito longe do tempo em que perceberemos que as democracias de que tanto nos ufanamos são afinal os grandes entraves à nossa segurança. O ataque de Israel ao Líbano na sequência do rapto de alguns soldados, é bem o sinal dessa desmedida paranóica. Denunciar, traçar uma linha de incompatibilidades entre a nossa representação do que é uma democracia e estas actividades terroristas ao invés de atacar o Estado de Israel é defender a sua importância e o seu papel no Médio Oriente. Tal como denunciar as actividades terroristas do Hamas, traçar uma linha de incompatiblidade entre a manutenção das suas actividades terroristas e o exercício do poder político que lhe foi atribuido, é defender o Estado Palestiniano. Tal como avançar adentro dos estratagemas com que o terrorismo e a guerra ao terrorismo nos inscrevem compulsivamente numa lógica militarista que é, senão a morte, pelo menos a suspensão do pensamento crítico e o advento do totalitarismo é defender a qualidade da nossa vida em democracia. Não podemos mais deixar que o pensamento idiota (miséria das palavras: há tanta gente inteligente a deixar-se sucumbir pela inevitabilidade do pensamento idiota) se torne a retórica dominante dos nossos sistemas politicos.
Esse é um trabalho de cada um, de grupos de opinião, de comunidades de interesse e a blogosfera é, como sempre foi, um excelente ponto de partida para a reflexão. Dei-me conta de que o Respirar O mesmo Ar não é o melhor espaço para isso. Embora sempre se tenha permitido à discussão e reflexão politica, foi criando um tipo de relacionamento próprio, baseado num discurso fragmentário, disperso, dispersivo. Nem é tão pouco um blogue de causas.
Por isso mesmo criei um novo blogue.

1 comentário:

Mónica (em Campanhã) disse...

o formato gráfico do Paz Violenta é violento para os olhos: quero ler e não consigo. preciso de ler porque ainda não sei bem pensar sobre a violência.